A Vila de Kalulu tinha uma sala de cinema, onde é hoje a sede do Recreativo do Lubolu, porém, as fitas que giravam o país inteiro demoravam chegar e não davam opção de escolha, o que levava a sala, sempre que houvesse filme, a registar "Lotação esgotada", frase que me obrigou a procurar por um dicionário e buscar pelo seu significado.
Os jornais e revistas, levados pelos autocarros da ETP e ETIM, vendidos no quiosque da EDIL - Empresa Distribuidora e Livreira de Angola - levavam tempo a chegar à vila e jornais como o JDM e as revistas Sputnik e Jeune Afrique, mesmo com 4 a seis meses de atraso, eram tidos como portadores de "notícias frescas". Quem não os lia, aproveitando, depois, as fotos para decorar as paredes dos quartos juvenis?
Quanto à TPA, penas os mais velhos viajados e os pioneiros que já tinham passado temporadas no Sumbe, Ndalatando ou Luanda é que a conheciam. O resto das pessoas das bwalas estava ainda na comunidade primitiva, embora estivéssemos já no último quartel do século XX. Sem os tractores nas fazendas desintegradas, as luzes nocturnas haviam sido confiadas unicamente aos pirilampos.
A Rádio sim. Essa era para popular e democrática. Atendia a todos na aldeola familiar, na aldeia colectiva, no bairro da vila e na cidade. Era a única que não discriminava operários e camponeses, nem intelectuais das cidades e iletrados das bwalas. Estava no alambique, no ombro do tio que extrai o maluvu da palmeira e até no óbito do "camarada tombado no cumprimento do dever revolucionário", cujo corpo jamais chegaria, levando os parentes a edificar uma campa homónima.
E, como a rádio era popular, mas as pilhas eram raras, havia horas nobres para ligar o "bicho falador e tocador de músicas". Todos os tios que eram camaradas ligavam-no às 13 horas para ouvir o noticiário central. Alguns, com reserva de pilhas, ligavam-no mais cedo, às 12horas, para começarem com o "Rádio Cidade" e/ou "Bengo Presente!" Alguns pais-camaradas que tinham cultivado o hábito de acompanhar as equipas de Luanda ou do Putu tinham tardes de relato e deixavam os filhos ouvirem o "Kyalumingu, kimenemene, Piô-Piô!"
À noite, socialisticamente (queria dizer religiosamente, mas essa estava ofuscada pela via socialista), todos os papás, cada um com a sua prole masculina (as miúdas, nas bwalas, ficavam nas cozinhas fumegantes com as mamãs) e ouviam, a partir das 19horas, o "Angola Combatente" que trazia notícias sobre a "bravura das Gloriosas FAPLA", ao que se seguia o noticiário da noite com notícias sobre "violações do solo pátrio e atrocidades dos fantoches-bandoleiros contra velhos, crianças e mulheres grávidas".
Para "poupar pilhas", nem todos continuavam com o "Boa noite Angola", mas o sô António, meu pai, levava o rádio até aonde fosse possível as pilas aguentarem. Acho que todo o seu dinheiro que lucrava da venda de kapuka ia para a compra das pilhas, além de ter, na altura, em Luanda, o cunhado Ferreira Ganga que lhe mandava, sem falta, pilhas e lâminas para aparar a barba escassa que lhe vinha ao queixo mês sim, mês não.
E foi nessas andanças de miúdos que já tinham a Rádio no ouvido desde tenra meninice que alguns pioneiros foram ensinados a conhecer o som, a frequência e os indicativos de "Rádios Proibidas pelo Estado" e, nas suas brincadeiras nocturnas, estarem atentos aos camaradas vizinhos que as ouvissem às 19horas, fora do "Viva Angola Combatente, Viva Angola Combatente!".
E começava assim:
Compatriotas, camaradas e companheiros de luta, as nossas saudações revolucionárias!
Fala-vos "Angola Combatente" - porta-voz do MPLA - Partido do Trabalho.
Programa de educação política e ideológica dos militantes e do povo - arma na luta para a criação do homem novo!
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