Na minha segunda deslocação à China, acabei por recolher conhecimento mínimo de duas cidades, a capital Beijing e Xangai, tendo viajado de comboio rápido (350 Km/hora da capital à segunda, em cerca de 4 horas). Comparando com o nosso estádio (para eles) precário de desenvolvimento, há muito por andar. Se calhar, andar seja pouco, pois os mais desenvolvidos não estão parados. É preciso "voar" para chegar aonde eles estavam no final do século XX e cortar algumas etapas, o que demanda fazer-lhes uma kikonda, como se diz no meu bom Kimbundu.
Olhando para a aparente simplicidade do chinês comum, fico, às vezes, a reflectir no alcance da expressão "capeç'áqua", verbalizada por cidadãos chineses que trabalham em Angola para se referirem a trabalhadores braçais angolanos que resumem toda a sua acção a praticar ao que lhes é orientado, sem pensar em inovar ou sair do lugar-comum. Fora do sentido dislateiro, a expressão encerra um sentido crítico e apelativa a acções reflectidas e inovadoras que todos - braçais, médios, graduados, mestres, doutores, gestores, administradores, titulares de cargos políticos e juízes e legisladores - devemos levar em conta e com seriedade. Afinal, o que quer dizer "capeç'áqua" e por que se referem eles a nós desta forma?
"Os gregos foram ao Egipto aprender ciência e aritmética. Desenvolveram-nas e aumentaram o seu orgulho grego" (Chiziane, 19.04.24).
A China, civilização milenar, que há uns 50 anos ainda era um país marcado pela agricultura e ruralidade, é hoje uma nação desenvolvida e que pleiteia com os ditos "de 1° mundo": bem estruturado, limpo e organizado, imperando a inovação e o cumprimento da lei. E nós?
Temos mandado delegações à China para ver em que nível estão e negociar acordos e tratados. Temos enviado jovens estudantes para aprenderem com eles e replicarem as boas coisas que abundam por lá. Temos comprado isso e aquilo, da bugiganga à maquinaria. Temos solicitado, até se enrouquecerem as vozes, que venham investir com o dinheiro deles no nosso país, promovendo empregos e conhecimento na nossa terra. Temos-lhes abertas as portas, temos-lhes a terra para cultivo, o mar para a pesca (ah! como detesto a depredação por arrasto que as embarcações chinesas fazem nos nossos mares), demos-lhes as florestas e savanas para explorar madeira, demos-lhes acesso à virgem... E nós o que ganhamos com isso?
Cultivam aqui, mas levam toda a comida e continuamos a comprar arroz em kandimbas e óleo alimentar em copos de reco-reco. Ah! como eu gostaria de esquecer os tempos de tribulação vividos nos anos oitenta do século finado!
É certo que a nossa população aumentou e os demais predadores de peixe, como as focas, também se multiplicaram, sem que tivéssemos encontrado as melhores formas de manter um equilíbrio dos cardumes a favor dos humanos. Os barcos com licenças passadas a angolanos, mas operados por chineses, praticam rapina nos nossos mares e rios e até a kabewnya escasseia no prato. Levam a nossa madeira e compramos-lhes os móveis a preço de ouro. A pedra vai bruta e compramos-lhes os pisos, as lareiras, os tampos, as escadarias e as campas.
Pedimos-lhes, em nome de todos os angolanos, dinheiro emprestado para refazer as nossas estradas, ponte se demais equipamentos sociais e de apoio à economia.
Com mesma mestria de "capeç'áqua", alguns iluminados deram-lhes a volta e pediram estradas para "inglês ver" que, passados poucos meses, "os buracos passaram a ter menos asfalto", como satirizou, e bem, Manuel Rui Monteiro. Tudo a favor do ego pessoal e a desfavor do país. Ganhámos, com isso, gente endinheirada que nem sabe ser rica e empobrecemos o país com dívidas milionárias per capita. Os chineses e o Estado chinês ganharam e ainda ganham, com juros e tudo. E o que ficou para nos orgulharmos?
_ Capeç'áqua! _ Diria um presidiário chinês desterrado em Angola em cumprimento de pena correccional.
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Texto publicado pelo Jornal de Angola a 16.06.24
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