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quarta-feira, fevereiro 28, 2024

A ESTUDAR TAMBÉM SE FAZ DIPLOMACIA

A irreversível transformação do mundo em aldeia global, onde todos se "encontram" e relacionam leva os homens, independentemente de suas culturas e crenças, a reconfigurar seus códigos, sujeitar-se à aculturação global e adoptarem condutas e meios de comunicação que os tornem em cidadãos do mundo.

Assim é que nas ciências, tecnologias e negócios globais/transversais, algumas línguas se sobrepõem às outras. É hoje imperioso, para se ser cidadão desta aldeia global, que se domine a "língua das hi-tec e do comércio mundial", o inglês. Nesse quesito, um dos destinos para angolanos, moçambicanos, congoleses, sauditas, líbios, tunisinos, franceses, brasileiros, germânicos e tantos outros tem sido a África do Sul.

Na LaL, uma das escolas que mais acolhe angolanos, a aula de 16 de Fevereiro teve dois momentos eleitos à partilha com os meus leitores.

O primeiro foi um texto, seguido de reflexão interpretativa, morto-sintáctica, e argumentativa sobre um apelo do Primeiro-ministro japonês que, preocupado com o "excesso de carreirismo e sono" que têm levado à diminuição da população na ordem de 30%, lançou um veemente apelo à procriação, tendo terminando a "homilia" com o a frase "vão para casa e façam filhos", frase que os nipónicos entenderam como ofensiva.

Seguiram-se perguntas, argumentos e contra-argumentos sobre "se os governos devem intervir no controle da população (seja para aumentá-la ou para conter o seu crescimento) ou se deve ser uma decisão pessoal/do casal.

Quando chamados a compulsar as taxas de fecundidade nos países de origem, notamos que Angola era o único país com uma taixa acima de meia dezena entre sul-africanos, franceses, sauditas e brasileiros.

_ Uf! In your contry couples work hard. _ Atirou a brincar o Ahmed, um jovem saudita dado a saídas sarcásticas, ao mesmo tempo que discordava dos dados apresentados pelo Google em relação à natalidade no seu país. 

Arguciava ele que "não concordava porque muitos homens têm mais do que duas famílias, tendo cada esposa de três a seis filhos".

_ You must review your country's data. _ Dei-lhe o troco.

Sobre a taxa de fertilidade (número de filhos por mulher) e sobre a possível interferência ou não dos governos para manter os equilíbrios demográficos e económicos, discutiu-se o suficiente e cada tirou as suas conclusões. É um debate ao qual você está instado a participar e agir.

O segundo momento da aula de inglês que, naturalmente, acompanhou o primeiro momento, foi a apresentação de bebidas típicas de cada país.

Criativos e orgulhosos de sua pátria e cultura, os quatro angolanos, em que me incluo, decidiram, sob patrocínio do articulista, levar mais do que a solicitada bebida típica. As duas jovens (Alaíde e Jacira) foram à street market (uma espécie de São Paulo, em Luanda) e compraram bananas-pão, múcua, ovos, jinguba e batata-doce que transformaram em kitutes que "regaram", de forma muito concorrida e com direito a sobras, as três horas e meia de aula.

Afinal, diz um ditado secular, "no aproveitar está o ganho". Os angolanos souberam mostrar a cozinha típica e fizeram, igualmente, diplomacia.

Até à próxima!

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Publicado no Jornal de Angola de 25.02.24

quinta-feira, fevereiro 22, 2024

KITOTAS NO CABO

Já levamos já 14 anos, o mesmo tempo que durou a Luta Armanda para a Independência de Angola, a publicar livros. Da lavra de nove, apenas um distanciou-se da ficção, sendo relatos de factos vividos.

"Kitotas: recuos e avanços", o último, tem sido dos mais comentados. A distribuição é comedida (estamos a kanjonjar para não acabar cedo, enquanto não se reúnem condições para reedição). 

Portanto, "Kitotas: recuos e avanços" já está a ser apreciado pela cônsul de Angola na Cidade do Cabo, Elsa Vicente, que pediu mais livros do autor Soberano Kanyanga para os colocar ao dispor dos nacionais que procuram por serviços consulares.

Agradeço e vamos cumprir.


quinta-feira, fevereiro 15, 2024

CABO: DE 150 ESCRAVOS A 25 MIL RESIDENTES

Chegados à costa atlântica do que é hoje Angola em 1482, os portugueses viram-se no Século XVII confrontados com a presença holandesa, cuja "companhia ultramarina" explorava já as Índias Orientais. Assim, os holandeses estiveram em Angola durante os séculos XVII e XVIII na região costeira, incluindo Luanda e Benguela, com o objectivo de participar do comércio de escravos e de outros recursos naturais.

Viriam a ser expulsos de Angola pelos portugueses que pediram reforço da sua então colónia do Atlântico Oeste. Durante o século XVII, Portugal e os Países Baixos estavam em conflito global e os portugueses conseguiram expulsar os holandeses de várias colônias, incluindo Angola, reafirmando o controle português sobre a região até o século XX (1975).
Foi, porém, no período em que os holandeses se fizeram "passear" impunes que levaram os primeiros escravos angolanos ao Cabo de Boa Esperança, na actual África do Sul, por volta de 1658. Estima-se que tenham sido 150 indivíduos levados em caravelas.

Aportados no Cabo da Boa Esperança em 1652, os holandeses tiveram como objectivo inicial estabelecer um posto de abastecimento ao longo da rota marítima para as Índias Orientais. Um ponto estratégico de paragem onde pudessem reabastecer as suas embarcações com água, comida fresca, lenha edemais suprimentos antes de continuarem as sua viagens para o leste, em direção às ricas colônias nas Índias Orientais, e destas para a Europa afigurava-se primordial. Portanto, o Cabo surge como um entreposto para reabastecimento, descanso e cura dos "incapazes" de prosseguir as viagens. Só que tal empreitada demandava homens sadios e a "preço de banana".
A primeira horta estabelecida pelos holandeses no Cabo da Boa Esperança foi chamada de "Company's Garden" (Jardim da Companhia), estabelecido em 1652 pelos colonizadores holandeses da Companhia Holandesa das Índias Orientais para fornecer alimentos frescos e vegetais para as tripulações de seus navios. É hoje um ponto turístico na Cidade do Cabo.
Embora alguns confundam o Company's Garden e com o Kirstenbosch, são duas áreas distintas na Cidade do Cabo. O Kirstenbosch é um jardim botânico localizado na encosta leste da Table Mountain, na mesma cidade, sendo famoso por sua coleção diversificada de plantas nativas da África do Sul, bem como por suas trilhas naturais e paisagens deslumbrantes.
Voltando à História, a colônia do Cabo viria, entretanto, a ser anexada pelos britânicos em 1806, durante as Guerras Napoleônicas, até que se dá a proclamação da União Sul-Africana, a 31 de Maio de 1910, pelo então primeiro-ministro Louis Botha, líder do Partido Nacionalista, após a unificação das colônias britânicas do Cabo, Natal, Estado Livre de Orange e Transvaal.
Alguma literatura aponta esse marco (1910) como "independência", visto que era uma entidade autónoma dentro do Império Britânico. No entanto, a União Sul-Africana de 1910 dependia politicamente do Reino Unido que exercia uma influência significativa sobre os assuntos políticos e económicos do território.
A candeia, para uns poucos, viria a acender em 1961, ano em que o país se tornou uma república, deixando a Comunidade Britânica. Aqui, sim, tornou-se república (branca) independente pondo, igualmente, fim à monarquia constitucional na África do Sul e a remoção do status de domínio britânico.
É importante recordar que o apartheid foi instituído oficialmente na África do Sul em 1948, quando o Partido Nacional venceu as eleições nacionais e começou a implementar políticas de segregação racial e discriminação institucionalizada. Essas políticas foram formalizadas através de uma série de leis que restringiam os direitos e liberdades dos não-brancos no país. Portando, foi ainda no período de influência do Reino Unido.
A verdadeira independência festejada pela maioria dos sul-africanos, a que se incluem os milhares de descendentes dos escravos angolanos, é a proclamada em 1994, depois da tomada de posse de Nelson Mandela, primeiro presidente negro, num país que se tornou de direito multi-racial.
Outra curiosidade sobre a África do Sul tem a ver com o nome "Natal" que tem origem portuguesa. A região foi assim chamada pelos exploradores portugueses que lá chegaram em 1497, liderados por Vasco da Gama, devido ao facto de terem alcançado a costa no dia de Natal (25 de Dezembro).
Quanto ao Kwazulu, é uma expressão zulu que significa terra dos zulu ou "zululândia".
De um contingente inicial estimado em 150 escravos angolanos transportados em 3 caravelas (Março de 1658), contam-se hoje milhares de angolanos residentes na África do Sul, estando estimados pelo consultado angolano na Cidade de Cabo, só nas 3 províncias do Cabo (Cabo Ocidental, Cabo Oriental, Cabo Setentrional), perto de 25 mil mwangolés, segundo estimativas do Consulado Angolano na Cidade do Cabo (Fev24).

quinta-feira, fevereiro 08, 2024

A "FESTA" DOS CONVIDADOS DA NJAMBA

Na guerra civil angolana, que se seguiu à independência, cada Movimento de Libertação Nacional teve o seu convidado para o ajudar. 

O Governo do MPLA, atacado a norte pelo exército zairense de Mobutu e mercenários convidados pela Fené, e no Sul atacado pelos racistas da África do Sul, compadres e convidados dos kwachas,  teve de pedir apoio a Fidel Castro para manter o país independente e uno.

Foi difícil travar os invasores, procedentes do norte e sul, fortemente armados e sedentos de sangue e poder, que procuravam destruir todos os "vasos capilares" do país nascente. Edifícios administrativos e residenciais, pontes, ferrovias, fábricas, etc., nada foi poupado.

Os escombros de edifício (foto 1) mostram-nos o que foi antigo Palácio herdado em 1975. Os "convidados dos kwachas" deixaram-no nesse estado, depois de vários bombardeamentos aéreos e de artilharia. Já em tempos de paz, foi construída no local em se acham os escombros a nova Sede do Governo do Kunene (inaugurada em 2017), tendo sido conservados os escombros para contar a história que muitos jovens ignoram e cujas páginas muitos mais velhos pulam deliberadamente.

A segunda foto, mostra a nova Sé Catedral de Ondjiva. Obriga-nos a verdade dizer que a antiga igreja não tinha sido derrubada como foi o Palácio e as demais edificações da então cidade de Ondjiva que foi transformada em "terreno baldio". A igreja esteve, porém, tão estropiada que o Governo Angolano decidiu oferecer à católica uma nova Catedral, digna da Ondjiva que se está a (re)construir dos escombros deixados pelas tenebrosas South African Air Force (SAF) e seus apaniguados e anfitriões da Njamba.

Uns, ruidosos ou silenciosos, virão dizer-me "não desenterre o morto". 

A minha colocação é: que tivessem dito aos vossos convidados para preservarem os edifícios. É que até o cinema "foi para o maneta". Partiram-no desgraçadamente!

quinta-feira, fevereiro 01, 2024

ONDJIVA AOS MEUS OLHOS

A minha primeira vez em Ondjiva foi em 1999. Era Primeiro-ministro de Angola o Dr. França Van-Dúnem e eu actuava ainda como jornalista da LAC - Luanda Antena Comercial.
A missão consistia, dentre outros objectivos, em visitar o matadouro da Kahama, constatar o problema da falta de água em Ondjiva e a questão da energia procedente da Namíbia, cuja factura, dizia-se, "estava alta e a Nampower ameaçava desligar o disjuntor para a capital do Kunene". Também fomos ver a (re)construção da ponte sobre o Kunene e visitámos o memorial do Rei Mandume ya Ndemufayo, em Ohyole, município de Namakunde.
O avião que levara o Primeiro-ministro partiu antes do que levara os jornalistas e teve como local de poiso o aeroporto de Xangongo. De lá para Kahama, França Van-Dúnem e staff foram de carro. Os jornalistas e pessoal de apoio do PM viajaram num "Twin Otter", numa viagem de mais de 3 horas, com reabastecimento no Lubango, e poisou em Kahama, onde a pista que serviu as FAPLA e FARC (Forças Armadas Revolucionárias de Cuba) na luta contra os racistas sul-africanos servia de "local de repouso dos bovinos que abundam na região.
De Kahama a Xangongo fomos todos em viaturas e aglutinámo-nos no avião maior, o que transportou o Primeiro-Ministro. Já na "cidade" capital, totalmente arrasada, lembro-me da Vila Okapale, local em que dormitámos todos e em que nos foi servido um competente e bem regado repasto.
Vinte e cinco anos depois, voltei a Ondjiva e custou-me reconhecer a cidade que foi "totalmente" construída sobre o nada e restos de escombros de edifícios arrasados pela aviação da Africa do Sul racista nas incursões ao nosso território nos anos setenta e oitenta do Século XX. Andando por Ondjiva contam-se os sobrados do período colonial.
No local onde se acha hoje a sede do Governo existiu o Palácio herdado em 1975. Estão lá conservados os escombros para contar a história das invasões e bombardeamentos das SAF (South Africa Air Force) ao tempo do apartheid. A Igreja católica, nova, imponente e paralela ao Governo do Cunene, foi também construída pelo Governo, no terreno em que se achava a antiga catedral (embora tivesse sido ligeiramente poupada) a velha e estropiada.

Na mesma rua, a principal da cidade, acham-se, à direita, o antigo palácio (construído depois da destruição daquele herdado na independência) e um outro palácio, maior, novo e digno desse designativo. Perfila paralelo ao largo Mandume ya Ndemufayo, também novo e integrado numa série de obras (várias) erguidas pelo Governo Central para reatribuir dignidade de cidade capital ao que restava apenas o nome. Mais abaixo, no sentido aeroporto-centro está o edifício da cultura, novo e majestoso, juntando-se-lhe a Mediateca e outras serventias como a Centralidade de Ondjiva que é hoje, diga-se, uma cidade encantadora!

Publicado no Jornal de Angola de 04.02.24