(Memórias dos princípios dos anos 80 no Lubolu)
A minha infância foi atravessada por diversas vivências que configura(va)m o nosso contexto vivencial tipicamente angolano. Uma delas foi assistir à transformação do milho em fuba (farinha).
Os batimentos sincronizados faziam música que se juntava às canções que elas entoavam para buscar forças e narrar a história e estórias do nosso povo convertido em "literatura oral". Era uma cooperação que não deixava ninguém para trás. E nós, filhos, inocentes e envoltos em brincadeiras, sempre perto delas, gostávamos do matete que se fazia no final da "moagem" e das broas feitas com banana.
A cunhada Emiliana, que era natural do planalto angolano (dizíamos que era do Huambo), tinha perícia em confeccionar broas enroladas em folhas de bananeira para as assar. A farinha usada era aquela granulada e ainda por secar.
Enquanto as mães moíam o milho, nós tínhamos a missão de arranjar conduto complementar ao que levavam de casa, normalmente kizaka, jihasa, um pedaço de peixe ou carne*. Juntava-se tudo. Cada uma dava um pouco de fuba e um pouco de conduto e fazia-se um repasto conjunto.
Recolhíamos ervas comestíveis, como as folhas de uma árvore que produz resina idêntica ao do quiabo, também designada "xingo", folhas de mulondolo e fazíamos armadilhas com visgo (cola de borracheira) para apanhar passarinhos que caiam bem num almoço sob pedra.
Uma boa caça era motivo de satisfação e orgulho de nossas mamãs que eram mamãs de todos os filhos da aldeia, assim como o matete e os passarinhos que apanhávamos.
* de caça grossa ou pequenos roedores (rato da mata, mangusto, paca, canta-pedra, esquilo, etc.).
Publicado pelo Jornal Litoral de 25 de Janeiro 2024
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