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segunda-feira, fevereiro 28, 2022

VALE DO PARAÍSO: ALDEIA DE MILITARES

Dande, 30.11.2021 - Próximo da 70ª Brigada de Infantaria Motorizada das FAA, 5 km da rodovia asfaltada que nos leva ao Ambriz e terras além, está o Vale do Paraíso. Militares vindos de vários pontos do país, alguns com passagem pelo Wambu, Huyla, Kwandu-Kuvangu e Vye, construíram, no meio de imbondeiros e arbustos espinhosos, uma aldeia em que instalaram suas mulheres e parentes trazidos do Centro e Sul do país.

O Umbundu e suas línguas primas são, a par do Português, os idiomas mais falados entre as mulheres adultas. Os homens são de diversas origens e que se vão revezando na Brigada, revezando também, às vezes, a chefia das famílias instaladas no Vale do Paraíso.

A caminho da aldeia, saindo do cemitério (perto de 2 quilómetros) Amélia e Maria (nomes fictícios) conversavam em Nyaneka. Foi fácil saber que não eram Ambundu. Aproximamo-nos e indagámos como haviam aí chegado.
- Viemos da Matala com o nosso irmão que é tropa. Ele foi agora transferido para outra Brigada e nós acabámos por manter aqui com outros tropas. - Contou Amélia.
- A vida é assim. Alguns tropas levam as mulheres aonde vão. Outros deixam e a mulher acaba casando com outro. - Acrescentou Maria.

A aldeia é também conhecida por Sete Imbondeiros e fica a caminho do rio Lifune (perto de 2 quilômetros). É de lá que sai a água para o consumo.
- São os militares que ergueram o bairro e lhe dão vida. - Explicou um aldeão, ex-militar licenciado à reforma, acrescentando que "a última semana do mês e a primeira do mês seguinte têm sido os período de maior movimento comercial e de pessoas".

As casas, maioritariamente de adobe, algumas rebocadas com argamassa de cimento e outras construídas com blocos de cimento, estão numeradas e contam-se às centenas. A energia eléctrica ainda está por chegar. Há sinais. Os postes que saem da Unidade militar já estão implantados. Os aldeões dizem "que falta pouco", embora reclamem também que "a empresa que estava a trazer a energia nunca mais foi vista".

Há uma escola (em ampliação), um posto médico (erguido pelo FAS) e outras residências em construção definitiva. A quantidade de petizes indicia taxas e fecundidade e natalidade elevadas.

Os comerciantes são cantineiros oeste-africanos que não medem distâncias, vendendo desde comida às bijuterias e produtos de higiene e adereços. Dentre eles está Dialó, jovem aparentando 20 anos e que já está em Angola "desde 2012".
- Já vivi em várias aldeias onde fui substituído por outros conterrâneos. - Explicou, num Português que inveja muitos angolanos.

Dialó é simpático e aprendeu a diplomacia de proximidade. Depois de trocarmos palavras em Português (aceitável do lado dele) e Francês (precário para nós), o jovem foi à montra e pegou em duas garrafas de água.
- É para os mais velhos matar a sede. Está calor! - Justificou, defendendo-se com argúcia para que aceitássemos a oferta.

Na nossa tradição (calculo que na dele também) quem te dá um presente deve ser retribuído com semelhante gesto.
- Temos aqui umas moedas que não pagam a água mas que podem servir para depois ofereceres rebuçados a outros amigos. - Argumentei.
Dialó meneou a cabeça e ficou-se pelo "nim".
- Está bem, chefe! Pode dar ao meu amigo que me veio visitar. - Rematou.
Voltámos a agradecer e saímos em passo lento e exploratório, até ao local em que se realizavam as exéquias de nossa cunhada Alzira Ngeve que foi trazida do Kwitu-Vye pelo ex-marido, militar, em 2001.

Publicado pelo Jornal de Angola a 05.12.2021

terça-feira, fevereiro 22, 2022

É SOBRE CAIMA QUE FALO!

Quem conheceu KIBALA antes de 1980 conta uma história diferente da dos nossos dias. Os edifícios tinham vida e cor. A vila tinha movimento de gente trabalhadora e empenhada. Parecia crescer ou pelo menos tendia a isso, todos os dias.

A sul da Kibala, a 13 ou 14 quilómetros ficava outra vila próspera, fundada por agropecuários madeirenses. Katofe tinha leite fresco, pão quente, manteiga e gente que acordava cedo para ordenhar, pastorear, agricultar e fazer as cidades jantarem.
A caminho do sol nascente, Karyangu que possuía uma mini hídrica sobre o Longa, gerava energia eléctrica para além de seus pardacentos campos agrícolas. Viam-se cabras e carneiros escalando montanhas pedregosas e dando carne com fartura. Karyangu também tem diamantes (Ngango) que nossos avós ignoravam ou simplesmente preferiam que a natureza os continuasse a guardar até um dia.
Em sentido norte, caminho que leva ao Libolo do café e dendém e Dondo das fábricas Eka, Satec e Bavin (e licores), destino do ananás kibalense, estendiam-se, do interior ao asfalto, grandes extensões de sisal, milho, feijão, batata e outros agricultáveis. Era incontornável a Fazenda América. Onde hoje se acha a albufeira que faz de Lucala uma aldeia à beira de lago é Mbumba-a-Lunga! Ndala Kaxipo, a 25 quilómetros do asfalto, rivalizava com os melhores e maiores da região no cultivo de milho e girassol.
A caminho de Gabela, sol poente, há poucos metros, estão os silos. CAIMA era moageira. A fuba canini, amarela e que se dizia "crescia na panela", era moída aí. E ia distante. Chegava às cidades para alimentar os operários e funcionários da máquina administrativa. Todos empenhados. Eram outros os vícios: a assiduidade e pontualidade, o trabalho abnegado, o respeito, a honestidade, a probidade, a religiosidade, o desejo de crescer e ver ANGOLA PARA OS ANGOLANOS.
Quem nunca ouviu falar de Fazenda Pombal ou Jorge Dimitrov, Fazenda Saidy Mingas, Revolução de Outubro, Fazenda Kambondo ou 1° Congresso (do Partido), Fazenda Kamana e Ndala Kaxipo (hoje Mato Grosso)? Quem nunca ouviu falar da Escola de Formação de Oficiais Superiores, vindos da guerrilha (alguns sem quarta classe concluída), e que se situava na Fazenda América?
Hoje, a vila de Kibala é um amontoado de esqueletos estropiados por uma "guerra com laivos comerciais", em que "diamantes também entraram nas contas" dos obuses que mataram famílias e destruíram a vila erguida no coração do Kwanza a Sul.
- Não te minto, mô irmão. Naquele tempo de guerra, você povo é capim e não tem escolha. Vem FAPLA te rusga. Vem Unita te rapta. Já servi os dois lados, até chegar a mini-paz de 1991. De 1993 a 2002 foi mais pior. Os chefes se combinavam. Atacavam a Vila para roubar gasóleo para as dragas. Depois, mandavam um carro com as pedras como pagamento. Os chefes sabiam e faziam negócio, enquanto nós morríamos. - Contou Manuel Kixindo, morador e agricultor em Ngango, antigo Cop, junto ao projecto Terras do Futuro.
Em visita à Kibala, vi alguns equipamentos no recinto do que foi a moageira CAIMA. Bem espero que seja o início da sua reconstrução, embora não deixe de preocupar a quantidade de fazendas abandonadas ou estagnadas desde que iniciámos a "caça aos madimbwende". Afinal, quem é que as detinha e de onde provinha o dinheiro?
Voltemos à CAIMA que estava para o milho, assim como a terra e a água estão à disposição dos agricultores da região. Ela olha, hirta, para os que apostam no milho e no país. Está a gritar que ainda existe, apesar dos assaltos e das revezadas intempéries.
Quem te viu e quem te vê, Kibala?!

terça-feira, fevereiro 15, 2022

NOVA PLANTA NA FAMÍLIA

Do Dondo a Luanda, antes de chegar à ponte sobre o Lukala, está uma aldeia que atende por Km 35. A fazer a descida, depois da curva, está sobre um montículo a casa do Tio João. Foi servidor público, em Luanda, até à sua reforma. Aposentado, preferiu o campo, regressando à sua área de origem.

Disse-me que tem um pomar: mangueiras, laranjeiras, limoeiros, tangerineiras, mamoeiros, gajajeiras, bananeiras, etc.
- Até mandioqueiras. - Acresceu o sexagenário.
De Malanje ao Dondo, fui sempre espreitando à beira da estrada onde encontrar uma gajajeira. Na viagem à Cabinda, descobri que bastava uma estaca e não semente.
Foi a descer a aldeia do Km 35, com a ponte sobre o Lukala à frente, que vi duas gajajeiras ainda jovens. A casa tinha a entrada principal aberta.
- Ó jovem, como se chama o dono desta casa? - Indaguei.
- É do avô João. Ele não saiu. Está mesmo aí. - Disse-me o adolescente.

Era sábado, 31 de Outubro de 2021. Estacionei bem o carro e liguei os intermitentes, para prevenir os que iam a descer, geralmente a zunar¹.
- Pá-pá-pá (palmas). Com licença nesta casa!
A resposta fez-se tardia. Mas insisti com palmas mais fortes e voz mais intensa, até que de dentro se ouviu uma voz adulta a perguntar:
- Kenhê?
- Desculpe. Meu nome é Kanyanga. Gostaria de falar com o Tio João. Não é por mal.
Passaram uns 3 minutos.
- Desculpa, filho. Estava a pôr camisa. - Explicou-se.
- Eu é que peço desculpas. Sou Kanyanga. Gosto de plantas. Estou a fazer um pequeno pomar no meu quintal, em Luanda. Venho de Malanje e só aqui vi gajajeira. Preciso de uma estaca. - Solicitei.
O mais velho, contou a sua graça, seu hobby e sua vida profissional na capitalíssima. Indicou-me as árvores. Eram duas no quintal.
- Podes cortar. É pena que não tenho aqui catana afiada. - Disse simpático.
- Tenho tesoura de poda no carro. Pelo menos, assim não firo a árvore. - Emendei.
Peguei a tesoura e amputei dois galhos pequenos. A árvore mãe também era muito jovem.
Parti para Luanda e os dividi em quatro que lancei à terra. Dois já mostram sinal de vida. Podemos ter gajaja!
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¹- Em alta velocidade.

terça-feira, fevereiro 08, 2022

O "HOTEL" EBOENSE

É único na vila. O outro (dizem que) está na picada que vai ao Waku. É obra de um filho da zona que poupou moedas, trabalhando em cidade grande, e decidiu enterrá-las próximo do seu cordão umbilical.

O "hotel eboense" tem instalação eléctrica e canalização de água. O investidor fez a sua parte. O problema é que a energia eléctrica de Lawka ainda não atende os eboenses que ainda dependem, para os serões, da simpatia da lua cheia, satélites mecanizados e estrelas com brilho mais intenso.
"Ela passa mesmo aqui e falta só desviar dois cabos (positivo e negativo)", dizem os moradores, como se a coisa fosse tão fácil assim.
"É preciso uma estação para converter a alta tensão em média e baixa. Da maneira como a energia sai de Lawka não pode chegar às casas", explicou o jovem gabelense que pernoitou no "hotel".
"O mano, aqui, disse que não é fácil meter energia de Lawka nas casas. Acha que sofrer de sede e ver toda a hora a água a passar é fácil? Levem então o nosso apelo aos que entendem da coisa e podem fazer por nós. Ndala Kaxipo e Kibala já têm", recomendou Fernando Joaquim.
Voltemos ao "hotel" do Ebo. Tem quartos com wc, que chamam de suite, ao preço de 10 e 8 mil Kwanzas cada, e outros sem wc ao preço de 6 mil Kwanzas por noite. Ao que vi, no Ebo não há requisitantes de "serviços diurnos de alta rotação e curta duração". Assim, sem hóspedes de curta e longa duração, a vintena de quartos "passa a vida" a receber poeira e infiltração de água, quando chove, não sendo poucas as vezes em que São Pedro abre as comportas dos céus. Um dos moradores e viajado por Luanda, Sumbe e Huambo explica que "é por ser uma vila pequena e todos se conhecerem, o que leva a não haver segredo!".  
Sem energia, a água não chega ao quarto e o banho, meu Deus, é de "chapadas"!. Quando o frio aperta, é só mesmo lavar o rosto, as axilas e a zona púbica, deixando o resto do corpo com o seu kibuzu1 de todos os fumos.
Os manos do "hotel", guarda e recepcionista, são de uma educação e simpatia inigualáveis. Estão sempre prontos a atender com um sorriso, mesmo que o frio prenda os lábios. Não dominam, porém, a técnica amealhadora de Luanda. Não lavam os carros dos hóspedes raros, nem se prestam a isso, mesmo faltando clientes e trabalho intenso.

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1- Cheiro. Geralmente, nauseabundo.
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Publicado no Jornal de Angola de 09.01.2022

terça-feira, fevereiro 01, 2022

KULA MUXITU & DICAS DA CIDADE

Em Dezembro de 1996, quando fomos pedir estágio à LAC, terminado o Curso Medio de Jornalismo, iniciámo-nos no programa "Dicas da Cidade", nome sugerido pela Leda Cristóvão, durante um brainstorming.

Colocado o programa no ar que, no fundo, era iniciativa privada (compra de espaço), a nossa remuneração dependeria da captação de publicidade para o referido programa que saia às tardes de um dia de semana que me escapa à memória.
O "repórter" devia angariar publicidade ao valor de USD 150/mês, dos quais USD 80 seriam o subsídio do angariador e os restantes para a LAC (entenda-se estação e coordenação do Dicas da Cidade) que, salvo erro, estava a cargo da Direcção de Produção.
Aqueles que conseguissem angariar mais do que uma empresa publicitária, recebiam na proporção de USD 30 sobre os 80, ou seja, 80 da primeira, mais 30 de cada uma adicional.
Das cartas/pedidos que levei a empresas para publicitarem suas marcas e/ou produtos no Dicas da Cidade, obtive a resposta positiva da MIAMOP, cuja sede ficava no largo do Kinaxixe. Uma outra foi efémera e perdi-lhe o nome. Mas a MIAMOP foi até ao fim do programa em que nos iniciámos como jornalistas: Jose Assuncao, Paulo Araújo, Leda Cristovao, Antónia Bartolomeu, Francisca Pacavira, Agostinho Santos, Isaac Antonio, Victorino Tchikunda Sócrates, Stela Marisa, Rossana Miranda, etc.
Faz tempo que já não via a MIAMOP publicitar na media, nem as suas madres¹ verdes pelas ruas de Luanda.
Alojado no Hotel Mbanza Marimba, bairro Kula Muxitu, à entrada de Malanje, apercebi-me tratar-se de pertença do "meu antigo patrão"². Deixo, por este facto, a merecida vênia!
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¹- Toyota LandCruiser de 3 portas e bancos traseiros corridos.
²- Verdadeiro patrão é quem disponibiliza o ordenado. Foi, no caso, a MIAMOP.