Dande, 30.11.2021 - Próximo da 70ª Brigada de Infantaria Motorizada das FAA, 5 km da rodovia asfaltada que nos leva ao Ambriz e terras além, está o Vale do Paraíso. Militares vindos de vários pontos do país, alguns com passagem pelo Wambu, Huyla, Kwandu-Kuvangu e Vye, construíram, no meio de imbondeiros e arbustos espinhosos, uma aldeia em que instalaram suas mulheres e parentes trazidos do Centro e Sul do país.
O Umbundu e suas línguas primas são, a par do Português, os idiomas mais falados entre as mulheres adultas. Os homens são de diversas origens e que se vão revezando na Brigada, revezando também, às vezes, a chefia das famílias instaladas no Vale do Paraíso.
A caminho da aldeia, saindo do cemitério (perto de 2 quilómetros) Amélia e Maria (nomes fictícios) conversavam em Nyaneka. Foi fácil saber que não eram Ambundu. Aproximamo-nos e indagámos como haviam aí chegado.
- Viemos da Matala com o nosso irmão que é tropa. Ele foi agora transferido para outra Brigada e nós acabámos por manter aqui com outros tropas. - Contou Amélia.
- A vida é assim. Alguns tropas levam as mulheres aonde vão. Outros deixam e a mulher acaba casando com outro. - Acrescentou Maria.
A aldeia é também conhecida por Sete Imbondeiros e fica a caminho do rio Lifune (perto de 2 quilômetros). É de lá que sai a água para o consumo.
- São os militares que ergueram o bairro e lhe dão vida. - Explicou um aldeão, ex-militar licenciado à reforma, acrescentando que "a última semana do mês e a primeira do mês seguinte têm sido os período de maior movimento comercial e de pessoas".
As casas, maioritariamente de adobe, algumas rebocadas com argamassa de cimento e outras construídas com blocos de cimento, estão numeradas e contam-se às centenas. A energia eléctrica ainda está por chegar. Há sinais. Os postes que saem da Unidade militar já estão implantados. Os aldeões dizem "que falta pouco", embora reclamem também que "a empresa que estava a trazer a energia nunca mais foi vista".
Há uma escola (em ampliação), um posto médico (erguido pelo FAS) e outras residências em construção definitiva. A quantidade de petizes indicia taxas e fecundidade e natalidade elevadas.
Os comerciantes são cantineiros oeste-africanos que não medem distâncias, vendendo desde comida às bijuterias e produtos de higiene e adereços. Dentre eles está Dialó, jovem aparentando 20 anos e que já está em Angola "desde 2012".
- Já vivi em várias aldeias onde fui substituído por outros conterrâneos. - Explicou, num Português que inveja muitos angolanos.
Dialó é simpático e aprendeu a diplomacia de proximidade. Depois de trocarmos palavras em Português (aceitável do lado dele) e Francês (precário para nós), o jovem foi à montra e pegou em duas garrafas de água.
- É para os mais velhos matar a sede. Está calor! - Justificou, defendendo-se com argúcia para que aceitássemos a oferta.
Na nossa tradição (calculo que na dele também) quem te dá um presente deve ser retribuído com semelhante gesto.
- Temos aqui umas moedas que não pagam a água mas que podem servir para depois ofereceres rebuçados a outros amigos. - Argumentei.
Dialó meneou a cabeça e ficou-se pelo "nim".
- Está bem, chefe! Pode dar ao meu amigo que me veio visitar. - Rematou.
Voltámos a agradecer e saímos em passo lento e exploratório, até ao local em que se realizavam as exéquias de nossa cunhada Alzira Ngeve que foi trazida do Kwitu-Vye pelo ex-marido, militar, em 2001.
Publicado pelo Jornal de Angola a 05.12.2021