Ela era loira, quase albina, e ele negro "etíope" de cabelo grisalho, barba aparada e porte atlético. Parecia atirador num filme de pistoleiros.
Patrícia tinha ares de cow girl: botas altas e negras. Negras da cor do patrício e alta como aquele patrício. Aos dois, quando se pensa num western, só faltavam os equinos. Ela era meiga. Meiga como junco.
Cruzaram à entrada do restaurante Zé dos Cornos, nas Honduras.
Fazia sol e as ondas atlânticas projectavam os ventos às montanhas. Trazido de África, o vento esvoaçavam as roupas leves daqueles dias quentes, mostrando o que o pudor procurava, sem sucesso, guardar em Patrícia. E as tiras avermelhadas, o deserto sem relva, entre os montes aquém gola e a faixa de gaja, ficavam ao léu.
Sentaram-se, por casualidade, à mesma mesa. Castanha como takula. Patrícia enfiou um tubo entre a boca e o copo, sorvendo o fluído de coco. Ao patrício foi servido um destilado de cana-d'açucar e aromatizado.
Planejavam calados, enquanto os pés incontinentes procuravam abraços. Eram únicos nas Honduras.
E quando os pratos começaram a chegar, Patrícia não se conteve e partiu ao ataque:
- Please, can you speak Portuguese or English? I'm from Portugal. I'm on hollidays (por favor, podes falar Português ou Inglês, sou Portuguesa e estou de férias).
- Muito gosto. Sou angolano. I'm here for work (Estou em trabalho).
Apresentados, magicamente encostaram os assentos em direcção ao outro. O suor começava a baixar. Eram reacções físico-químicas num laboratório de tédio. Patrícia estava determinada em atacar. Afinal, tinha um motor solitário 3.9 em busca ardente de estrada plana e longa. O seu íntimo reclamava velocidade há muito postergada.
- Diz lá, tu não comes sopa como entrada?
- Nós não. A nossa entrada é mandioca fervida e jinguba ou mbomba e banana que, regra geral, tomamos em família, minutos antes da refeição principal.
Entre olhares discretos do patrício e incursões territoriais velados de Patrícia, correu mais alguma surdina. Foi pouco tempo que levou o jovem a pedir mais um trago.
Patrícia fizera da palhinha uma palha recortada a dentes. Era tanta a sede por um patrício.
- E tu comes galinha com puré em vez de arroz?
- Sim. Nós comemos funji. Com o arroz alimentamos as galinhas. A galinha e os ovos é que se tornam alimentos para um patrício como eu.
- E os ossos? Vejo que os comes todos!
- É isso mesmo. Os ossos lembram-me o esforço em alimentá-la até chegar à fase da cabidela. Filosoficamente, nós procuramos comer grande parte da galinha, desperdiçando apenas os dejectos, as unhas, o bico, o papo e as penas.
- Mas é uma pena que não deixes ossos para o gatinho!..
- O gatinho? Os felinos são caçadores. Felizmente, nós amamos a natureza e protegemos todos os bichos domésticos e selvagens. Não damos veneno aos ratos, porque pode afectar as galinhas e os cães. Deixamos os ratos para o repasto dos gatos.
- E o cachorro?
- Ah, pois é! O cachorro. Os nossos cães adoram umas bolas de pirão embebidas em molho e ossos triturados. Isso quando não são dias de caça.
- E o que acontece em dias de caça, ó, ó patrício?
- Bem, Patrícia. Sei que é assim que te chamas.
- Sim. Chamo-me Patrícia.
- Pois é. Trataste-me por patrício e revejo-me em Lumumba.
- E quem é esse Lumumba?
- É o Patrice Lumumba cujo exemplo de luta pela liberdade e apoio aos povos subjugados nos valeu o epíteto colectivo de patrício. Mas voltemos ao cão.
- Pois é. Dizias que os vossos cães só comem ossos quando não há caçada...
- Sim Patrícia. Já imaginaste uma rede rota apanhar peixe? Então, pensa no cão que vai repleto de carne temperada à caçada. Dorme na primeira sombra!
- É por isso que vejo os patrícios a comer os ossitos da galinha e a desprezarem a sopa?
- Nim! Às vezes damos a sopa ao cachorro, quando não é de feijão. Mas os ratos são mesmo para o gato!
Selaram o kisoko na madrugada, dando voltas à terra redonda. As viagens, os odores e os prazeres tornaram-se um só.
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