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quinta-feira, outubro 29, 2020

KATALAMBA

Watungu kukunda Kwenganga wobata (Literalmente: quem constroi  atrás seguiu a Kinganga)

O aforismo kibala-lubolense reporta-se, entre outros, a uma vertente do crescimento populacional das aldeias kwanza-sulinas.

A genesis das aldeias rurais tem como base o núcleo familiar. Regra geral, um emigrante em busca de terra fértil, pasto, faina ou paz espiritual depois de atritos na aldeia de origem, constitui uma nova comunidade residencial. 

Esse patriarca, com seus filhos, esposas e sobrinhos, funda a aldeola que, com o tempo, cresce (à medida que os filhos e sobrinhos forem constituindo famílias e atraírem outros parentes e amigos para o novo conglomerado habitacional.

A relação consanguínea faz com que os casamentos dos constituintes, regra geral, se façam com pessoas de outras aldeias próximas e/ou distantes que não sejam de mesma linhagem. 

Surge aqui a figura de katalamba¹ que é incontornável num kixobo².

Parente e ou amigo/a do casal, o/a katalamba é o/a emissário/a do noivo que, no dia do kixobo, se mete a caminho da aldeia de da noiva, levando-a, em companhia da tia desta ou outra representante de sua família, à casa do noivo.

Pelo caminho, mostra-lhe e conta-lhe estórias e história sobre os hábitos e costumes da sua família , sobre os rios, coutadas, bens físicos  e espirituais, permissões e proibições, famílias amigas e inimigas, entre outros aspectos de vida familiar e comunitária. 

A/o katalamba é geralmente bem recebido em casa da nubente e tratado como interlocutor válido/a do seu representado.

Há outros ritos de baixa variabilidade de aldeia em aldeia que, regra regal, consistem em entornar um pouco de kisângwa³ e óleo de palma em cada entroncamento, representando o manifesto de paz com todos quantos trilharam e venham a trilhar aquele  caminho e fartura à nova família.

Terminada a cerimônia matricial, uma noite dançante, com fartura em funji de carne, regada com makyakya⁴ e wala⁵, algumas peças do enxoval da noiva são entregues como lembrança a/o katalamba, como prato, garfo, faca, copo e outros possíveis objectos.

O autor desta crônicas foi katalamba no kixobo de Rosa José, em 1996, em Luanda, tendo recebido como lembranças: um prato, garfo, faca, colher  e copo de vidro.

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1- Emissário/a do noivo.

2- Cerimônia matrimonial.

3- Sumo feito de farinha de milho e adocicado com seiva de uma raiz designada por muxiri ou mbundi (Umbundu).

4- Destilado alcoólico também designado por kaporroto.

5- O mesmo que kisângwa. Garapa.

sexta-feira, outubro 23, 2020

A FALASTRONA E A CANECA DE CAFÉ

Ukãe wanditukãnla. Ati* "essa hora com caneca"?

Dez horas de domingo. O sol anunciava-se preguiçoso, apesar de o kasimbu ter ficado, oficialmente há 24 horas atrás. A vila, que também chamam de centralidade sem nada centrar, tirando o reencontro dormitorial de cada semana, tinha movimento lento e contável.
Uns regando jardins, outros varrendo os passeios e bermas e outros, sobretudo outras, entregues a conversas de quem tivesse trabalho em falta.
Man- Quarenta acordara cedo, como sempre, e estava dividido entre o balde de água para regar o jardim que plantou no passeio, a caneca de café que fazia o vai e vem (algumas vezes ficava na grade, para ser movimentada quer de dentro como de fora do muro de um metro) e a pá e vassoura para diminuir a areia na berma da estrada que, no seu dizer, "estragava o looking da moradia".
- Bom dia vizinho, bom dia vizinha, bom dia menino, bom dia menina ... - Era hábito dele cumprimentar enquanto homem do nascido no interior, cultivado a manter relações de boa vizinhança, mas sem a confiança de se pedir sal ou jindungu.
Depois de um "bom dia" um um condômino que se fazia desfilar em voz alta, foi agraciado caralmente com uma pérola.
- Kitangana kyeniki nyi neka bu mako?**
- Arra xisa! Essa pessoa vou lhe pôr na crónica. Pessoa não pega mais caneca é bêbado. E mesmo que fosse bêbado, domingo, dez horas, à espera de Kumbi Lixya-njila kanjimbi e companhia é pecado que Cristo não perdoaria? Está a me ofender pô-cá-di-quê?! - Bravou, mas só no coração.
Man-Quarenta, nascido numa aldeia organizada, embora rural, cedo mudou-se para um dos musseques de Luanda, onde ainda encontrou mulheres que varriam as ruas manhã cedo e ensinavam os filhos a observarem os bons costumes. Mesmo no "mato" onde nasceu, o espaço à volta de casa era limpo, o lixo enterrado ou queimado e a vizinhança era família. Se calhar foi isso que o pôs fulu.
- Porra, café na jatona é kapuka? - Rabujou autra vez em solilóquio, enquanto rebuscava uma boa música para descrever a pessoa faltadora de respeito.
Entre Bangão e o Trio Kusanguluka, veio-lhe "Vizinha yô vizinha, wabeta mon'ami. Ki ngamubwidisa mukonda, wangilomlolola ndaka. Vizinha yô kamaka!"
Continuou a rega e a varredura da berma da estrada que se tornara imunda pela acção da inicivilização humana e foi cantando sem pronunciar:
- Kutunga nê wijya... vizinha yô kamaka...***
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* A senhora ofendeu-me. Disse:
** Essa hora com caneca na mão? (Kimbundu)
*** ser vizinha deles é preciso ter cuidado. A vizinha é "makeira".


quinta-feira, outubro 15, 2020

"O MEIO É A MENSAGEM"?

(Tentativa de desconstrução de McLuhan)
Percorrendo o caminho da media que demanda emissor-mensagem-meio/canal-receptor e feedback, verificámos que o meio de comunicação formal mais antigo é a imprensa ou seja o texto. Ao texto, o desenvolvimento técnico acrescentou a imagem estática (foto).
Posteriormente, a voz foi acrescida ao texto e surgiu a radio (é mais expressivo e imapctante ouvir do que ler uma citação). Mas não era tudo. Ao texto e à voz foi adicionada a imagem dinâmica. Apareceu a televisão, um meio muito mais impactante do que seus predecessores.
Porém, não era ainda tudo. A internet e as redes sociais, vieram dar velocidade e maior alcance, atingindo um público global e eliminando os condicionamentos de distribuição. É, deverás, impactante.
Quando o filósofo MacLuhan diz que "o meio/veículo é a mensagem" não o diz de forma literal, pois, é consabido que mensagem é mensagem e o meio é o canal por onde ela, a mensagem, é feita circular (desde a antiguidade que não se confunde a mensagem e o mensageiro).
"O meio é mensagem" significa tão somente que o meio influencia o impacto da mensagem sobre o destinatário (uma coisa é dizer o homem chorou ao ser morto, outra é ouvi-lo chorar. Outra ainda é ouvi-lo e, simultaneamente, vê-lo chorar).
O meio/canal também influencia o modelo de concepção (empacotamento) da mensagem, pois imprensa, rádio, Tv e, hoje, as redes sociais têm formatos diferentes de concepção das mensagens.

quinta-feira, outubro 08, 2020

BATATEIRA DESFOLHADA

O dia nasceu nublado. Nem o avançar da hora para perto das oito fazia o sol se erguer com pulungunza de quem fumou bob marley.

Esses, os apreciadores da fumaça, eram os únicos que pululavam as ruas da cidade, ora biscateando na rega dos jardins nascentes, ora dirigindo-se aos empregos formais.

Entre o frio e a necessidade de dar vida à vida, lá estava também eu, fumador passivo da kangonya do motoqueiro que recolhia o lixo do quarteirão P do Zango 5. Mangueira na mão e pá à porta do quintal,  eis que me visita um jovem alto e magro, em passo apressado.

- Bom dia boss. Posso arrancar a rama?
- Arrancar? Como assim?
Pensei que fosse brincadeira. Só podia ser. Como é que um gajo lúcido vem, manhã cedo à minha porta e a propor arrancar a batateira que me tem custado água e esforço, para além de dar vida ao canteiro que relegou ao passado o castanho da terra?
- Sim boss. É mesmo através da fome. Trabalho no fomento (fundo de fomento habitacional). Assim, o outro está a me esperar para lhe render. Se o boss me fizer já boa vontade, vou me apresentar e volto arrancar para fazer o almoço.
- Ah! Vamos lá ver. Mas você precisa das folhas ou dos caules também?
- Boss, é mesmo para comer.
- Sim. Já percebi. Você quer a rama. Mas precisa também de levar os troncos? Pois se arrancar vai levar tudo e quando a fome voltar não haverá mais nem para mim tão pouco para você.
- Não kota, me atrapalhei ao pedir. É mesmo só as folhas para acompanhar os jovens do prenda (kabwenya).
- Está bem. Pode levar a rama. Mas eu quero que você as corte agora que estou a regar para me assegurar que não vai arrancar as plantas inteiras.
O jovem agachou-se e foi desfolhando a batateira até parecer que foi visitada por uma herbívoros ruminante.
- Boss, faxavor! Pode me dar um saco? - Voltou a pedir.
- Porra, você é que sabe pedir. Já queria a rama e os troncos todos. Agora quer saco. Não tenho. Deixa a rama no canto e depois vem buscar ou leva-a na sua mochila.
Conselho acatado, o jovem pôs força nas pernas e foi marcando passos, desfazendo-se na distância e na neblina matinal.

quinta-feira, outubro 01, 2020

QUEM DISSE QUE HOMEM ADULTO (NÃO) CHORA?

A fila não era longa. A manhã é que já levava quilómetros.

Chamados a provar o que os próprios cientistas reconhecem "haver erros recorrentes em resultados apresentados", lá estavam lideres e liderados. Um dúzia e meia entre falsos sorrisos e receio aparente. Todos apreensivos quanto ao método e resultado.
- Será?
- E se for?!
- Bem. Sandinga. Se for será. Se não for melhor! - Atirou 2Tempos, um dos melhor graduados daquela esquadra.
Não demorou a chamada. Primeiro para o alistamento e, depois, para o tira teimas.
O exame consistia em fazer "endoscopia" sem gritar, nem lacrimejar.
- Está tudo bem, senhor? - Indagou a médica.
- Está bem. Mas se lhe disser que está tudo bem estaria a mentir. É um desconforto esse tubo dentro de mim.
- Realmente. Mas isso passa. O mais importante é o resultado. Pode sair, sô tor 2 Tempos.
- Obrigado pelas palavras. Estou apenas a endireitar o rosto para não aparecer à tropa com lagrimas visíveis.
- Ah! Um homem chefe também chora?!
- Deixa, Cda. médica. Para mim, o choro são as palavras exteriorizadas. Sei guardar a angústia para o momento privado.
E foi saindo e se endireitando ao encontro da "tropa" que aguardava notícias. O teste era inédito.
- Chefe, doeu?
- Não. Até dá prazer em bisar. É como amêndoa. Lembram-se das vacinas em que davam amêndoas? Nada de medo. Está e vai estar tudo bem! - Concluiu 2 Tempos, fazendo a curva para apanhar a viatura que deixara desguarnecida na rua do Giraflor.