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segunda-feira, outubro 15, 2018

MALAVU, LUNGILA E MAMÃ ME LEVA

Que haverá em comum entre estas três "pérolas da língua e garganta", consumidas no Uige e em outras terras da imensa Angola?
Em princípio nada. Para adentrar a questão e tocar o seu âmago, precisei de viajar e conhecer Carmona, Uíge anteontem e hoje. General Carmona é uma outra história mais ligada à presença colonial portuguesa.
Antes destes chegarem ao território uigense, já os povos se deleitavam com apetecíveis destilados, fermentados e bebidas naturais como a seiva da palmeira ou malavu.
Aqui, surge o lungila que é um fermentado, à base de sumo de cana-de-açúcar. Traduzido para Português, o termo lungila (do Kikongo) significa "aturem-me". É o que acontece quando alguém se encharca desse produto.
- Vozeira que vozeira, ao ponto de se sentir "o único" na aldeia. - Explica a ancião Nsimba.
Mas no Uige não se fala apenas de lungila.  Poucos saberão disso, sobretudo os mais novos. Quem conta são sempre os mais velhos.
- Com os brancos, surgiu o "mamã me leva". Era um vinho tinto que se produzia (engarrafava) na antiga cidade de Carmona.
O mais velho Nsimba explica o porquê do pomposo nome de "mamã me leva".
- Com um copo a pessoa ficava alegre, bem disposta e mesmo e até o mais tímido já conversava. Se não tinha coragem de se dirigir a uma "pequena" já podia. Com dois copos, aumentava a voz e até os baixinhos pareciam altos no tamanho e da voz. Ao quarto copo, os efeitos se reflectiam sobre os joelhos que ficavam "bwazeza", sem força. Aí o consumidor, sem força nas pernas, a única coisa que conseguia dizer era "mamã me leva".
Há também o nosso secular e sempre presente malavu que é a seiva da palmeira. Quando me contaram que malavu também atacava nas pernas não quis acreditar. Certa vez, ainda éramos jovens, conta o mais velho Nsimba, estávamos a ir a Kimbele. Uma moças bacongo, saídas de Luanda pediram.
- mais velho, faxavori, nos paga só um kabidon de malavu.
- Filha, malavu faz abrir as pernas. - Respondeu o meu amigo Sabichão. Ele gostava mbora de brincar...
- Tio, faxavori. Retorquiu a jovem em tom suplicante, o que levou o Sabichão a pagar um litro de malavu. - Prossegue o narrador. Elas era três e nós duas pessoas na carroça da Peugeot 507. Minutos de pois, a primeira moça começou a reclamar que estava a "caloria em todos os lados". Não te avisei, mbora? Recordou o Nsimba, hoje é mbuta muntu.  Não tardou, quando o carro parou para meter mais gasóleo no depósito,  a amiga dela confirmou o efeito da bebida.
- E o que disse a moça, mais velho Nsimba.
- "Mama me leva". Mas não era do vinho, era do malavu. Disse que estava a sentir as pernas a tremerem. Sabichão, o meu amigo, ainda avançou conversa misturada com malícia.
- Não te disse que malavu faz abrir as pernas? Põe calça jeans e amarra pano por cima! - Falou ele.

Texto publicado no jornal Nova Gazeta de 18.10.2018 e no Jornal de Angola de 18.11.18


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