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sexta-feira, setembro 29, 2017

A MUNENGA DOS MEUS OLHOS

Do ponto de vista infraestrutural parece-se ser a comuna que mais cresceu, porém, fora da aldeia sede.
Investimentos em avícolas, matadouro, restauração e agricultura, incluindo um posto de abastecimento em combustíveis (bombas) foram projectados e implementados a 4 quilómetros da sede, ou seja, na EN 120 (onde a estrada de Kalulu se junta à Nacional 120).
Quanto aos imóveis da zona político-administrativa e habitacional (aldeias do Ferreira, Sangue Frio e Bannza), pouco de novo. Apenas o velho vai resistindo às investidas do tempo e dos homens. Aqui também, e como me disse o ancião do Kisongo/Quissongo, se as antigas lojas de colonos falassem, estariam a rir-se do estado em que "as levamos".
De duas coisas, uma nos podia valer: ou dar aquelas ruinas a alguém com garantias de as reconstruir e proporcionar vida àquela "zona comercial" que se acha à entrada da circunscrição (loja do Ferreira) ou demolir o velho para se implantarem aí novas infraestruturas públicas e ou privadas. Há que valorizar um espaço que já foi nobre. Ali, no Ferreira, se aguardavam pelos autocarros da ETP e ETIM. Ali repousavam aqueles que se dirigiam ou vinham do posto administrativo/comissariado.
Quem viveu ou conheceu Munenga de outros tempos lembrar-se-á também da cerâmica da família Cunha, à passagem do rio Ngunji, a meia-distância  do "comissariado" que se acha no monte. Naquele espaço, em que hoje só resta o que foi a cabine de transformação de energia eléctrica, pode ser erguido outro equipamento social ou económico. A água, embora pouca, nunca faltou. O capital humano está aí nas aldeias à volta, sem nada por fazer. Para os jovens que não emigraram, todos os dias são de ociosidade.
Não padecendo da inacessividade e incomunicabilidade que vive o Kisongo/Quissongo, a sede da Munenga bem se pode transformar, com ideias e acções, em uma vila digna desse nome. Também pode ser deslocada para a "Nova Zona Económica" que cresce a bom passo na desembocadura da EN120, ficando na "velha Munenga" apenas o posto administrativo e seus equipamentos sociais como a escola, a esquadra e o posto médico...
São ideias.
 
Obs: texto publicado pelo jornal Nova Gazeta de 27/07/2017

quarta-feira, setembro 27, 2017

MANGODINHO NA POSSE DE JLo

Em Novembro de 1975, criança ainda com 12 anos, Mangodinho era já homem no pensar. Quando ouviu no rádio que a independência estava a chegar, preparou um kaquibuto de macroeira e meteu-se numa BedFord a caminho de Luanda. Sorte ou azar, ainda não me contou bem essa parte, encontrou a ponte do rio Zenza suspensa. 
- Ninguém mais passa. Os carcamanos e mobutistas estão a vir para impedir o camarada Neto levantar a bandeira. - Contou que lhe disseram isso e ficou mesmo por ali.
Quando entrou na Ngimbi, encontro o camarada Agostinho Neto já era Presidente e Angola já não era mais de Portugal.
Em 1979, o óbito do camarada Neto apanho-o numa ilhota do rio Longa. Tinha ido tarrafar sem o seu radito e quando voltou, com muitas "salambas" de peixe, encontrou toda aldeia de Kuteka "era só choro". Escapou desmaiar mas fez coragem de se aproximar devagar, devagarinho até se cruzar com rapaz Sabalo que o informou sobre o infortúnio do camarada Neto. Dos mabululos onde ficava a aldeia até chegar a capital levou quatro semanas. Aliás, é já hábito dos homens de Kuteka que, quem vai à capital, mesmo que se hospede em casa de "burguês", tem de levar qualquer coisa. ,E nessa de preparar a viag, em perdeu a investidura do camarada Eduardo dos Santos, que foi a 21 de Setembro.
Também, mesmo que fosse, não O deixariam entrar. A cerimônia parece que foi no Palácio onde até os makota grandes, se não têm convite, não entram. Dizem que no Palácio a segurança é apertada tipo é sandalheta de quem vai caminhar uma grande distância. Por isso mesmo, em 2008 e 212 Mangodinho não se deu massada de ir a Luanda assistir a investidura do Presidente reeleito.
- Se ele é já nosso Presidente desde que o cda Neto se foi para quê só "se dar" massada de ir mais "lhe" ver? Foi assim que Mangodinho tinha parado de tentar. Mas quando ouviu que o camarada dos Santos vai meter o colar da República no pescoço do camarada Lourenço, Mangodinho fez tudo às pressas. O quibuto dele de macroeira já estava preparado. O peixe do rio Longa a e carne de caça também já tinha. Uma semana antes, meteu-se já na estrada. Agora com a paz que temos viagem de trezentos quilómetros é só mesmo em um dia e a pessoa chega mbora bem. E chegou. Ficou na casa do tio dele Sabalo onde a luz não falta para ver televisão.
Quando "lhe disseram no" Bartolomeu que a entrada no Mausoléu é de borla, ou seja sem convite, Mangodinho, cinco da manhã já estava lá com garrafa dele de água mamão e um pouco de bombô assado com jinguba. Ao sair do Benfica ainda estava a cair kawelewele. Nalguns sítios era mesmo irmão pequeno de chuva. Por isso, levou boné, casaco de lona e mais um guarda-chuva que não chegou a usar.
Aliás, antes de sair de casa, penetrou bem o cabelo, escovou o casaco e os sapatos, embora com sola gasta e inclinada, estavam a brilhar. Mangodinho para quem o visse era homem de pôr respeito. Posto na bancada pública da Praça da República, Mangodinho disse para si mesmo "não quero confusão". Foi, por isso, ocupar uma cadeira na penúltima fila, onde esperou, esperou, esperou sem desesperar.
- A viagem do Kuteka a Luanda demora mais do que esperar pelo Cda Presidente das cinco e meia ao meio dia. - Disse para se encorajar.
Mangodinho no lugar dele de visibilidade privilegiada viu todos os presidentes a chegarem, a serem ovacionados, e o "camarada de vestido preto" que falou ao camarada Lourenço que "se abre, a partir de hoje, uma Via Expressa para corrigir o que está mal e melhorar o que está bem". O homem disse mesmo como pai que recomenda o filho que (camarada Presidente), "combata a corrupção, melhore a vida da população, diversifique a economia...". Já a lhe correrem lágrimas de contente, Mangodinho ouviu atentamente o camarada Lourenço a reafirmar que vai cumprir as promessas da campanha e as detalhou uma a uma.
- Não. Esse camarada Lourenço tem cabeça. Não esqueceu nenhuma das promessas e ainda acrescentou lá outras como "Ninguém é tão rico para não ser punido ou tão pobre para não ser protegido". - Mangodinho a baba a cair-lhe tipo é nenê que está a esperar a chegada dos dentes de leite. É alegria ou quê?!
Mangodinho, assim mesmo, está a preparar as malas para regressar à aldeia de Mbangu de Kuteka. Pelo caminho vai fazer a acta detalhada que vai apresentar ao povo já convocado para uma Assembleia. Afinal, ele foi já indicado "Administrador de aldeia", no âmbito do regulamento da Lei da Administração Local.

Publicado no Caderno Fim-de-Semana, Jornal de Angola, Pag. 10, de 14 Jan.2018

sexta-feira, setembro 22, 2017

O CERTIFICADO DE HULE

À boca pequena tudo se fala. Relatam-se cenas sobre eventuais pessoas que se doam, que se alugam e outras que matam sonhos geratrizes. Poucos porém, desabotoam a camisa para baterem ao peito e soltam a voz do que a sociedade "fala" em surdina. É viajando na imaginação, por terras distantes, que encontramos Hule, filha querida de seus pais, soberanos no seu território gentílico. A estória é comum, se calhar, apenas o final pode ser distinto.

Fazia meses que Nampula registava calor. Pior, quando El Nino se aproxima, cumprida a sua sazonalidade. Estava um calor de assar sardinhas para um prenúncio de noite. Já se alinhavam estrelas num céu cinzento recortado por nuvens turvas. Ao mesmo tempo que Hule procurava acertar a cor do céu afivelava ideias sobre a janta do dia seguinte e o leite do Diploma que brilhava nas costas. 

Hule fora enviada a Maputo ainda na puberdade aonde o pai pretendia que sua filha do meio se formasse em medicina ou outra ciência afim. Mas cedo conheceu angolanos e outros diplomatas oeste-africanos que exploravam petrodólares. Meticais para que te quero?! Instituto para que me serves?! Hule encontrou vida fácil. Dançarina de primeira hora, conhecedora de noites luxuosas, dama de companhia para eventos se fez. Não escolhia cor da epiderme. Não! Nem idade lhe interessava. Diferenças etárias eram apenas números. Somente uma cor, a do dinheiro americano lhe interessava. O certificado de habilitações literárias que lhe proporcionaria emprego numa instituição do Estado, sonho amputado do pai,  foi substituído pela cria. Foi assim que os mais inconformados com aquela opção da jovem passaram a tratar a filha de Hule por "Certificado".

No dia em que a cena aconteceu, Hule estava à porta da sua mandjungu ou choupana que herdara da avó materna de quem a filha se tornou xará. Abriu a porta, entre duas colunas que se prolongam e se revezam no andar. Deixou entrar um pouco de ar para arrefecer o forno que se achava envolto a kapulanas, como são tratados os tecidos em Moçambique.  O forno, fundo, húmido e já com pouca elasticidade, ante ao uso revezeiro, é a sua indústria, seu banco. Ajeitou os maboques, um par no peito, que se prestavam a fugir do soutien. Jactou o decote. Mamas já flácidas jazem quase quase num amontoado de esponjas suportadas por arcos metálicos. Aos lábios, levou um batom pobre e encarnado. É sangue procurando suor e sangue. À filha, chorona e resmungona, espectou um sambapito na boca. 

- Cala. A mamã vai ganhar pão pra amanhã!

Hule fez-se a caminho da baixa de Nampula, entre Faina e Mutotope, seu emprego prazeroso. Foi lá que o Manuel, polícia de profissão, já quase noivo, a encontrou em flagrante delícia.

Ali mesmo, no Largo Machel, depois de adentrar o jeep grande de vidros translúcidos, não precisou de vistoriar à volta. 

- São cooperantes, nada os detém! - Pensou.

Imitou o canídeo. Lambeu a sua cria,  afugentando-lhe as maleitas. O bicho respirou fundo e esticou-se ao comprido. Hule, feita canídea de Rafa, simulou caminhada, de quatro, do kambwá como dizem os angolanos na margem atlântica do continente. Sem se aperceberem, a polícia que procurava por marginais foragidos fez-lhes uma surpreendente visita. Manuel estava na patrulha.

- Estão presos, malandros!

Texto publicado pelo Jornal de Angola, edição de 24 de Setembro/2017

terça-feira, setembro 19, 2017

NÓTULA SOBRE CAXICANE

O festejo do 95º aniversário natalício do primeiro Presidente de Angola, também consagrado Herói Nacional, Dr. António Agostinho Neto, levou-me à vila de Catete para actividade lúdica e cultural, adentrando depois a estrada que nos conduz à Muxima e mais ainda a picada que vai a Caxicane, local que conserva o cordão umbilical do fundador da nação angolana nascido a 17 de Setembro de 1922. Não sendo a primeira vez que para lá me desloquei, não deixei de “descobrir” algumas curiosidades não visualizadas com minúcia nas primeiras visitas ao local. Repare bem a foto. Estou apoiado sobre o púlpito do que foi o segundo templo metodista erguido em CAXICANE. Procurei pela data da sua construção e, embora houvesse no local cidadãos sexagenários, não obtive resposta. Resta-me a impressão de que a edificação terá sido a que existia nos dias de mocidade de Agostinho Neto, sendo feita de pau-a-pique e rebocada com areia e cimento nos dois lados das paredes. O chão foi também cimentado, sendo que os púlpitos haviam sido construídos em tijolos e rebocados. O tampo também é de betão.

A primeira igreja no local terá sido em material ainda mais precário: ramos de palmeiras, paus, barro simples para fechar as paredes e coberta de capim, conforme nos mostram as fotos de seu pai, Reverendo Pedro Neto, com o filho, Kilamba, pousando no colo de D. Maria da Silva Neto. 
A terceira igreja, em alvenaria e pintada de branco, é maior e tem altos alicerces, devido às inundações que vezes sem conta acontecem em CAXICANE, quando o Kwanza faz suas águas transbordarem, é mais próxima no tempo.

Repare agora na proximidade entre o rio e a Igreja em cujas ruínas concebi esse texto: apenas escassos metros a separam do leito. Não será, por isso, difícil concluir que os implantadores do metodismo em CAXICANE terão navegado sobre o manso Kwanza.

Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta de 28/09/2017

sexta-feira, setembro 15, 2017

UMA VISITA AOS IRMÃOS DE CAMBULUNGO

CAMBULUNGO é  o nome da classe (espécie de capela para os católicos) da Igreja Metodista Unida em Angola, IMUA, no Quissongo. Ao longo da rodovia não vi mais do que duas confissões religiosas, sendo o templo de Cambulungo o maior.
 
As paredes duplas, em adobe, dão maior resistência e durabilidade ao edifício coberto de chapa de zinco. Os assentos são de plástico e atendem todos os irmãos e visitantes.
Cambulungo, designação adoptada para o templo, é nome de um nativo Metodista que nunca deixou a chama se apagar, mesmo em momentos difíceis da vida daquele povo e comunidade religiosa.
Malanje é berço do metodismo angolano e fica aí, a poucos quilómetros, servindo de inspiração.
 
Parabéns aos irmãos da Classe Cambulungo/Cargo de Calulo (Kalulu).
Os peregrinos metodistas de Luanda e de outras cidades precisam de lá ir e procurar entender os caminhos árduos percorridos pelos missionários americanos que nos trouxeram a chama do METODISMO wesleyano.
 
É também um chamado que os metodistas que amam a sua chama e que podem contribuir com algo apadrinhem comunidades como a de Cambulungo.

sexta-feira, setembro 08, 2017

DEPOIS DA FILA A 10GRAÇA

Tarde de sexta-feira, dia de repor energia, depois de cinco jornadas extenuantes. Aturei "mbora bem" o engarrafamento na zona do Coelho, três horas e tal, a "caloriar" num carro com AC e tudo. O gasóleo, agora, é líquido precioso que exige poupar. Luxo fica só pela metade: um pouco de AC e um pouco de poeira e calor, para poupar combustível em trânsito intransigente.
 
Quando estava mesmo já no fim do sofrimento, eu a buzinar a os outros automobilistas para que tivesses mais atenção e eles a me buzirem de volta, uns só mesmo de pirraça para espantar os nervos que tinham comido todas as unhas e estavam quase a sangrar os dedos, eu já a entrar para o asfalto, ouvi um cru-cru-cru- buá trás de mim. Era no lado esquerdo. 
 
Um Rav 4 antigo, todo desmazelado, um acaba de me matar, raspou-se no meu carro, até se estatelar no degrau (estribo) que chamam de "pisa-pé". Buá! E o homem não pára já? Não! Continuou.
Estava, afinal de contas, a ser puxado, com corda de aço, por uma camioneta. Saí da viatura "foribundo", quase aos socos, mesmo tendo a minha mão aleijada. Mais atento esteve o polícia, quase a ler-me os nervos à superfície da epiderme, contrariando-me:
 
- Não faz isso, senhor, por mais razão que tenha. Não se bate ninguém a frente d'autoridade. 
 
- Então, camarada autoridade, mande-o assumir e pagar os estragos, senão vamos nos resolver mesmo já aqui. Esse carro tem nome da minha sofrida mãe. É de sofrimento. Não me foi oferecido nem o apanhei só assim... - Falei mais calmo.
 
Aí,o homem do acidente exibe as "cadaplas"e confessa: 
 
- Sou pessoa de boa fé. Me desculpa só. Também sou polícia que guarda as empresas grandes o meu ganho é xis. Pior do que isso, errar a mãe. O meu passe e a carta de condução podem ir consigo. Dá-me seu contacto e um dia lhe procuro. -Disse o senhor.
 
Eu com a mãe (viatura que tem o nome da minha progenitora) arranhado. Ele, verdade ou mentira, perdeu a mãe. Fiquei por interrogações sem respostas.
 
- Assim mesmo se faz?
 
A Maria (carrinha) anda agora "despelada", como se tivesse lutado com o António (outra viatura com o nome do finado marido de setenta e três-oitenta e dois). É uma estória antiga, já leva tempo. Mas aconteceu mesmo!

Publicado no jornal nova Gazeta de 31 de Agosto/17. 

sexta-feira, setembro 01, 2017

LOTADORES, COBRADORES E ESPALHA DORES

Fazia tempo que não andava de táxi. Fi-lo propositadamente em dois dias seguidos para estar por dentro do mundo que existe para além do ar condicionado e vidros translúcidos.
 
Descobri que, para além dos já famigerados cobradores (preferem ser chamados de gerentes), loteadores (os que numa paragem principal ou término se encarregam de chamar os passageiros até completar a lotação do veículo), existe uma outra subcategoria, essa perniciosa, que é a dos aproveitadores ou saqueadores.
 
São grupelhos de jovens, muitas vezes drogados, que inundam as paragens de táxis colectivos, dedicando-se à extorsão dos cobradores no valor de cem Kwanzaa por cada paragem que efectuem. Se resistência houver, muitas vezes, acabam agredindo o cobrador resistente, ficando com todo o dinheiro que tenha e chegam mesmo a assaltar o táxi e se acaparar dos bens e dinheiro dos passageiros. 
 
Contra esses, não se pode fazer outro apelo que não seja a atenção e acção da polícia que deve ser implacável e não coabitar, nas paragens e em qualquer lugar, com tais inimigos da segurança pública.
Aos saqueadores e espalha-dores não devia haver sequer um segundo de tolerância!
 
 
Texto publicado pelo Jornal Nova Gazeta a 04.05.2017