Na aldeia de Rimbe, onde o rio Kazondo se insinuava como veia ancestral entre dois domínios, o das mulheres ao norte e o dos homens ao sul, o tempo não corria: meditava. Ali, o presente era uma sombra alongada do que fora sonhado, mas jamais plenamente alcançado.
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segunda-feira, setembro 29, 2025
A LAVRA DE NINGUÉM
segunda-feira, setembro 22, 2025
SACHA
Acordei ao pregão de um mendigo que, de casa em casa, pede, manhã cedo, as "sobras da janta".
- Não leva ao lixo a comida que sobrou. Dá "no" pobre. - Cantarolava, desafiando os passarinhos alojados nas copas das minhas árvores.
De imediato, veio-me à cabeça a experiência do milho trazido do Kwanza-Sul e que empresta a sua cor ao descampado. Hoje não me dei ao trabalho mínimo de conferir se é mesmo "sacha" a limpeza de ervas daninhas que crescem entre o milheiral.
Cresci, com o milho, a vê-lo e a "sachar". Desde pequeno no Limbe.
- Filho pequeno não trabalha porque não come muito. - Dizia eu a reclamar do sol, suor e ardor.
Durante algum tempo, fora apelidado de "Filho Pequeno".
Dizem também que "é mais fácil retirar alguém do campo do que o campo dele". Essa máxima deve combinar comigo.
Em Fevereiro, fomos ao Ebo e pedi à Dina Martins uma espiga de milho.
- Mano, podes tirar quantas quiseres.
Abaixei e retirei uma espiga pequena e desdentada, ou seja, a que tinha várias falhas de grãos.
- Essa, mano?! Porquê? Tira, ao menos, uma grande e boa. - Insistiu a Dina.
- Irmã, é só para brincar e recordar os tempos de camponês. Não tenho lavra. Vou pôr no quintal ou no canteiro e depois os meninos vão arrancar. Não adianta levar o que sei que não terá serventia. - Expliquei, deixando-a mais cômoda.
A espiga andou esquecida no carro, até que, um dia, ao retirar umas tralhas que me "feriam os olhos" dei conta dela. Calhou que tinha "pinguiscado" umas gotículas de chuva. Descarocei e levei os grãos, dois a dois, ao solo firme do canteiro e do descampado que se acha contíguo à minha casa.
Os cabritos e os meninos desgovernados que pululam o bairro destruíram a maioria. Deixei que os sobreviventes ficassem camuflados no capim que cresce apressado com a vinda da chuva.
- É chegado agora o tempo da sacha. - Falei para mim mesmo.
Não tendo enxada, a pá fez a vez, removendo o capim e envolvendo os milheiros de mais terra.
Tal como dissera à Dina, de uma espiga "desdentada" podemos ter cinco ou muito mais espigas ou mesmo quilos de grãos que podem, depois, ser replicadas e multiplicadas. Isso é crescimento.
Já imaginou quem tem um descampado à volta de casa fazer igual? Pouparia uns Kwanzas, cumpriria o papel decorativo verde e atenderia ao ambiente e ao estômago.
São conversas "milhonárias" que podem render.
segunda-feira, setembro 15, 2025
O PILÃO DA TIA KAMBANDU
[Baseado em narrativa do Castro Albano e vista de constatação]
segunda-feira, setembro 08, 2025
A "PASSADEIRA" DE KAPAYO
O dia estava agitado, como o vento frio que soprava impiedoso, parido e empurrado pela corrente gélida de Benguela. No vasto espaço ao redor do Estádio de Ombaka, agora metamorfoseado em ruelas e vielas por construções temporárias de stands, homens e mulheres se acotovelavam para passar, levantar ou pousar imbambas de toda sorte. O recinto fervilhava com a azáfama de feirantes vindos de todos os cantos de Angola: lá estavam 21 províncias e 326 municípios que representavam o povo, suas identidades culturais e as idiossincrasias de mais de 378 comunas.
segunda-feira, setembro 01, 2025
ODJOVE, MULONDOLO OU PAU-DE-CABINDA?
Na IV edição da FMCA, realizada no Lubango, em 2023, assim como na V edição que a cidade de Benguela acolheu em Agosto, o que desapareceu antes mesmo do primeiro batuque não foi o milho torrado nem o vinho de palma. Foi o famigerado pau-de-Cabinda, aquele que dizem “levanta até defunto cansado”. Não se sabe quem levou, mas os dedos apontaram para os nguvulados de cabeça grande na algibeira, os mais velhos de bolsos cheios e olhares discretos, que saíram com os pacotes escondidos entre casacos e promessas. Uns dizem que foi para uso próprio, outros que foi para presentear genros em apuros conjugais. O certo é que o produto esgotou antes mesmo de se saber se era vendido por dose ou por esperança.
O pau-de-Cabinda, vindo da região homônima, é mais que casca. É mito. Vendido em pó, cápsula ou infusão, é tido como afrodisíaco de elite, capaz de devolver vigor a quem já só vigia e usa o descarregador "apenas para mijar".
Mas há quem diga que o efeito é mais psicológico que fisiológico, e que o verdadeiro poder está na crença ou no bolso.
Mas se o pau-de-Cabinda é o rei das farmácias informais, o odjove é o príncipe das aldeias. E foi justamente nas duas edições da Feira dos Municípios e Cidades de Angola que ele apareceu em garrafa, com rótulo e até mapa. Sim, mapa. Porque o odjove não é só bebida. É roteiro também.
Feito à base da fruta de marula, aquela que dizem embebeda até elefantes, o odjove vinha acompanhado de um mapa da embala: casa do sekulu, casas das esposas (com e sem filhos), casas dos filhos solteiros. E dizia o marketeiro:
“O sekulu, depois de beber odjove, percorre todas as casas das esposas, voltando leve e cansado no dia seguinte.”
Durante a colheita, os régulos afrouxam as penas de adultério. Afinal, quem pode resistir ao chamado da marula fermentada se até o elefante dança e tropeça?
Enquanto o odjove é kunenense, o mulondolo é raiz do Kwanza-Sul. As suas folhas são comestíveis e refogáveis como fokhas de batateira. As raízes é que são “tira-teimas”. Dizem que quem consome o mulondolo tem a mulher permanentemente falar bem dele junto da sogra, o que, convenhamos, é milagre maior que qualquer ereção prolongada.
“Dá resistência inimaginável”, dizem os nativos de Lubolu e da Kibala.
“Deixa o pau-de-Cabinda a ver navios e o longeso do Wambu a pedir reforma”, atestam os confessos consumidores de tudo quanto lhes dá a breve ilusão de borboleta.
Em quem acreditar?
No pau-de-Cabinda que esgota antes de se tocar o hino nacional?
No odjove que vem com mapa e promessas de fecundidade?
Ou no mulondolo que não tem marketing, mas tem sogra satisfeita e bem-falante do esposo da filh'amada?
Talvez o segredo não esteja na raiz, na casca ou no licor, mas na história que cada um carrega. Porque no fim, o que embriaga não é a marula, é o desejo de continuar sendo lembrado como aquele que soube amar com potência e força, com graça e com folhas refogadas!
Publicado pelo Jornal de Angola a 28 de Setembro de 2025




