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sexta-feira, fevereiro 28, 2025

O CAMINHO PARA A LIBERDADE

Os aprendizes de novas línguas procuram sempre por alguém com quem possam testar o que julgam estar a aprender, assim como os nativos ou residentes há mais tempo gostam de medir e saber quão aptos os "foreignar" [estrangeiros] estão para comunicar na sua língua. É nessas circunstâncias que surgem sempre pequenas conversas ocasionais nos cafés, nos elevadores ou nos táxis.

_ O senhor já viajou para alguma outra cidade de países estrangeiros, para além do seu e da África do Sul? _ Perguntou Kingsley Kenechukwu, taxista, que se apresentou como natural de Biafra e a residir por "long time" em Cape Town.

_ Ontem mesmo, caminhando para Waterfront, fiquei a reflectir em como as nossas independências foram obtidas e como temos ou não temos conseguido preservar o património material que herdámos da colonização.

_ Oh! What you have been thought [Oh! O que andou a pensar]?

A conversa era em inglês que o taxista dominava com perfeição e Mangodinho a tatear, mas a procurar explicar e argumentar, embora não tivesse as palavras todas ao pé da língua. Era como um mestre que tinha vontade de trabalhar, mas com os instrumentos necessários dispersos por uma grande dependência. Entretanto, lá se ajeitou com o parco vocabulário que tinha à disposição. Afinal, "the most important is communicate and beeing understood" [o mais importanteé comunicar e ser percebido].

_ Pois é. Veja! Há países que receberam as suas independências como se de um "gift" se tratasse. Esses tiveram de aceitar as condições prévias exigidas pelo antigo colonizador, como guardar o dinheiro dos novos países nos bancos centrais do antigo colonizador, permitir que os países colonizadores fossem tidos como preferenciais no acesso aos recursos minerais, ter bases militares nas antigas colónias, manter as propriedades das anteriores famílias colonizadoras, etc. Por outronlado, há países que obtiveram as suas independências à forças das armas, fazendo com que os colonos tivessem de fugir, deixando tudo para trás. Infelizmente, em alguns desses países, os novos detentores do poder não tinham hábitos de vivência urbana, formação para administrar condignamente o património material e imaterial que receberam, assim como melhorar o provimento de serviços aos citadinos. O que se vê é que as cidades ocupadas pelos que saíram das aldeias, dos maquis e dos subúrbios ficaram degradadas e descaracterizadas. 

Num terceiro grupo estão os países que chegaram à autodeterminação por via de décadas de luta política e ou militar que culminaram com negociações sobre a forma em que se chegaria pacificamente à desejada liberdade. O que noto é que, aqui, tudo se manteve como antes: os ricos, que fizeram parte do sistema opressor, continuam nas cidades que se mantêm organizadas e em constante adaptação às axigências do presente. A maioria dos pobres, por seu turno, continua a viver nos subúrbios e nas aldeias afastadas, acedendo às cidades apenas para o trabalho. É um tema importante, para compreender os contrastes de Africa, e que pretendo aprofundar. _ Concluiu Mangodinho, algo cansado,  todavia satisfeito pelo esforço de ter, mais uma vez, aproveitado a oportunidade de abrir a boca e ensaiar o seu inglês com o "driver".

_ You made a good analysis but look! There is many poverty and poor people in the countryside and suburban areas. People in that places doesn't live well as other in the city. If you go there you will find small sheet metal houses [você fez uma boa análise, mas preste atenção! Há muita pobreza no interior e nos subúrbios. Se for para lá vai encontrar pequenas casas feitas de chapas metálicas].

Seguiu-se um período de mutismo. Mangodinho a reflectir no que ouvira e a pensar no desfasamento entre o nível de vida das pessoas nos três tipos de cidades descritas por ele e o que deve ser a realidade campesina e nos subúrbios de Cape Town, Mwangope e Dakar. 

O motorista, por seu turno, terá levado o seu cérebro a reflectir sobre a incursão de Mangodinho sobre as vias pelas quais se chegou às independências e como os países foram/estão a ser geridos ao longo do tempo. 

Numa noite de vento a atingir os 30 quilómetros por hora e um trânsito desafogado, não demorou para que o silêncio fosse cortado pelo "we just arrived" [já chegámos] enunciado pelo homem proveniente de Biafra. Despediram-se com um simultâneo "think about what I told you!" [pense no que eu lhe disse!]

sábado, fevereiro 22, 2025

A FALSA OLIVEIRA

Quando a recebi, a arvorezita era franzina e alta que baloiçava ao vento. À chagada, a relação entre ela, a terra em que fora plantada e, se calhar, o sol tórrido do Zango IV, não foi boa, não! Levou perto de dois anos numa espécie de "toca e ninguém se mexe". Não secava nem apresentava folhas novas.

Em uma de minhas idas a Malanje, trouxe calcário dolomítico e polvilhei a base da planta. Talvez tenha sido um "santo milongo" e ela começou a sacudir-se da hibernação. Vieram-lhe folhas novas, verdes e fortes. Largava poucas ao longo do ano todo.

Quando comecei a podá-la para direccioná-la, o caule passou a engordar e a dar mais ramos que lhe formaram a copa. Continuou a poda para o direccionamento. Em finais de 2023, surgiram as primeiras flores e, no desabrochar do novo ano, surgiram as frutas parecidas às azeitonas agridoces e pretas quando amadurecidas.

Inicialmente, chamávamos a planta de oliveira. Três anos depois consegui uma oliveira original (daquela espécie que todos conhecemos e facilmente identificamos). Daí descartamos o nome anteriormente atribuído. 

Colhi duas ou três frutas que provei (já os guardas haviam saboreado umas e dito que "eram doces"). Voltei à pessoa que me ofereceu a árvore ainda pequenina, em 2020, e perguntar-lhe o nome da árvore que iniciara a frutificar em 2024.


_ São azeitonas pretas _. Disse.

_ Se são azeitonas, a árvore é oliveira (talvez uma das várias espécies existentes). _ Conclui, mas não muito satisfeito.

Desta vez, aumentou o número de flores e as frutas estão à mostra. É jamelão e está plantado no Zango, município de Kalumbu que, até 31 de Dezembro de 2024, era Luanda.

O jamelão, também conhecido como jambolão, guapê ou azeitona preta, oferece diversos benefícios para a saúde, tais como:

1- Sendo rico em vitamina C, ajuda na manutenção da saúde da pele, dos ossos e do tecido conjuntivo.

2 É fonte de fósforo, importante para a formação e manutenção dos ossos e dentes.

3. Possuidor de antioxidantes, contém compostos como antocianinas, quercetina e rutina, que ajudam a prevenir doenças como o câncer e outros problemas inflamatórios.

4. Possui propriedades anti-inflamatórias e ajuda a reduzir inflamações e aliviar sintomas de doenças inflamatórias.

5. Actua no controle da glicose, podendo ajudar no controle dos níveis de açúcar no sangue, sendo útil para diabéticos.

6. Saúde cardiovascular: Os antioxidantes presentes no jamelão ajudam a proteger o coração e melhorar a saúde cardiovascular.

7. Exerce acção anticarcinogênica, podendo ajudar na prevenção e no tratamento do câncer.

8. Melhora da digestão, pois ajuda a aliviar problemas como prisão de ventre, diarreia, cólicas e gases intestinais.

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Publicado no JE&F de 28 de Fev.2025

domingo, fevereiro 16, 2025

JUNTOS ERGUEMOS MUNENGA!

Nesta data, 16 de Fevereiro de 2025, publico, em primeira mão, o Slogan "MUNENGA_ Juntos Erguemos o Município!", assim como a grande "Pedra Escrita", localizada a cerca de 26 quilómetros da (actual) sede municipal, servindo de Ex-libris do novo município criando (por elevação de categoria) a 01 de Janeiro de 2025.

O Slogan e o Emblema são partes de mesma peça artística da autoria de Luciano Canhanga (contando com o suporte de Elizabeth Jai e Dilson Mota).

Todos os direitos reservados ao autor deste blog.

 

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sexta-feira, fevereiro 14, 2025

A QUALIDADE DO SOLO E A SAÚDE DA PLANTA


Repare no que lhe pode parecer "saúde" destas herbáceas.

A parte que apresenta um verde intenso é sorgo (massambala) e já vai na segunda colheita. Sim, a sorgo não seca, após colheita. Nascem-lhe filhotes que também produzem grãos.  Diz a ciência agrícola que a planta pode ir até à terceira ou mais colheitas, cujo rendimento vai baixando, obvio.

As herbáceas que apresentam um verde-amarelado são milheiros. O milheiro é de colheita única, assim como a bananeira. Mas aqui a diferença de coloração tem a ver com a riqueza do solo e exigência da planta. O milho requer melhores cuidados e solo mais humificado para que a planta cresça com vigor e tenha grãos desenvolvidos. A carência ou excesso de água tornam-se críticos para o milheiro, ao contrário do seu "primo" sorgo que é mais tolerante em relação à riqueza do solo e ausência de água. Todavia, o sorgo resiste melhor à inundação, pois cria raízes aéreas (acima do solo) que tanto podem absorver humidade em tempo seco como isolar a base da planta inundada e continuar a viver. Por essa razão, o sorgo é plantável. Sempre que apresente raízes acima do solo, pode ser cortado e plantado. O milho não!

O campo de herbáceas rasas é de batateiras que me estão a poupar alguns Kwanzas.  Kingombo, aliás quiabo, também temos, mas são poucos. Trinta metros quadrados, semeados de quiabos na minha horta, ficaram inundados. A batateira regozija-se com a inundação temporária, pois a água depõe matéria orgânica que serve de alimento à planta rastejante que se multiplica e cobre de verde o espaço.

domingo, fevereiro 09, 2025

ADEUS, CDA SAM NUJOMA!

Vai em paz, "presidente da minha filha"!

Sempre que Angola disputa jogos com a Namíbia, a Lúcia apoia o "país dela". E fica ela sozinha contra os irmãos que nasceram em Angola. Nasceu lá. Não tem a nacionalidade, mas "vive a Namíbia" como se fosse uma namibiana de jure.

Morreu, às 23h45 deste sábado, 8 de Fevereiro, em Windhoek, o Presidente Fundador (1990-2005) Dr. Sam Nujoma, aos 95 anos.
Em Angola, ainda no tempo das Kitotas, Nujoma vivia perto do Palácio. 
Acompanhando o meu finado tio Ferreira Ganga, fui, uma vez, sem o saber ad initio, à casa dele. Só depois de ter regressado ao Rangel e felicíssimo por ter recebido de oferta uma camisa castanha, de lã, com os botões à esquerda, o meu tio me disse que fôramos à casa de Nujoma, Presidente da SWAPO.

No Lubolu, o meu primeiro contacto presencial com os combatentes da SWAPO aconteceu em Fevereiro de 1984, na Munenga. Havíamos recuado da nossa aldeola familiar de Rimbe (proximidade da actual aldeia de Pedra Escrita), fugindo dos rebeldes da Unita que tudo atacavam e raptavam crianças, adolescentes e jovens. 

Saídos da antiga aldeia de Katoto (ficava perto da confluência entre os rios Ryaha e Mukonga) onde tínhamos ficado uma ou duas semanas (foi nessa altura que raptaram o António Neto e o seu o José Neto "Sabalu"), os mais velhos, liderados por Raimundo Carlos "Soba Xika", decidiram buscar por um refúgio seguro, na sede comunal, tendo nos abrigado (toda família extensiva) na casa de Manuel Albano "Kabenda".

Havia no comissariado comunal da Munega uma pequena guarnição das FAPLA que recebera de reforço um pequeno contingente de tropas da SWAPO. Devia haver, no total, um pelotão.

Chegámos ao fim da tarde e era hábito os militares visitarem as casas que tivessem recebido visitas, para conferir quem eram, a sua origem e os motivos da visita.

Eu tinha uma ferida descuidada que largava alguma secreção e odor. Um dos enfermeiros/socorrista da tropa da Swapo fez-me, naquela mesma tarde, um curativo único que, quando retirei a ligadura, duas ou três semanas depois, a ferida estava totalmente sarada.

Na madrugada do dia seguinte (entre noite e madrugada), a Unita atacou a sede comunal e mandou abaixo tudo o que puderam.

Voltei a lidar com os refugiados namibianos na Vila de Kalulu, entre 1987-1990. Eles estavam acampados na comuna da Kabuta e iam à vila de Kalulu apenas para compras e trocas comerciais. Os namibianos vendiam/trocavam roupas de fardo por galinhas, cabritos e outros bens alimentares com que reforçavam a sua dieta.

Aos do meu tempo, morreu o Camarada Nujoma, um freedom fighter.

Long live Angola!
Long live Namíbia!
RIP, Comrade Sam Nujoma!
We'll never forget you!

sábado, fevereiro 08, 2025

MEMÓRIAS DE KUTEKA E PEDRA ESCRITA

A 25 de Janeiro de 2025, cruzei, próximo da aldeia de Pedra Escrita, com uma parente que não conhecia. É neta ou bisneta do "Velo Xingwenda" [Velho Cinquenta], parente da minha mãe. 

Quando me foi apresentada pelo mano Gonçalves Manuel Carlos, recorremos à árvore genealógica para nos situarmos e, mesmo nunca me ter visto antes, quando se apercebeu que eu era filho da "avó Maria Canhanga", começou a recitar uma música dos tempos de xilimina [folguedos] dos anos 90 do século 20 e que fazia alusão a mim.

"Kajila bera mwititu twazeketu (3x)"[Passarinho diga, vamos pernoitar no ninho].

Em menos de 3 meses, na aldeia de Mbango yo'Teka, foquei imortalizado e recordado por pessoas que nasceram décadas depois de eu ter por lá passado, de Janeiro a Março de 1990, fugido da Unita que me correra de Kalulu e, semana depois, da aldeia de Pedra Escrita.

A jovem, parecendo minha mais velha (eu cinquentão e ela na casa de 30), lavava roupa, depois de ter preparado e posto a secar o bombó à beira da EN120. 

Eu, o mano Gonçalves, o Nelo e Páscoa fomos colher canas. A caminho da "kitaka" [horta] vi duas árvores que, na minha terra, atraem borboletas que nelas nidificam, surgindo, depois, os "mabuka" ou "katatu": uma é "munzaza" e outra, de folhas alargadas e em formato de coração dobrado em duas lâminas, é "ndolo".

Veio-me à mente outra canção do "xilimina" dos anos noventa:

"Moça mu kyaña ndolo, moça mu kyaña ndolo, mu kyaña ndolo we sosó lyamutena bwengi" [a moça, de tanto recolher e usar lenha de ndolo, a fagulha atingiu-lhe a zona nevrálgica"]. Na verdade, a palavra, aqui convertida em "nevrálgica" é um impropério. Só os jovens embriagados de kapuka ou lyambados cantavam essa versão ao lado de adultos. O dislate era sempre substituído por um termo não agressivo.

Naquele tempo das rusgas e raptos [rusgas de jovens abrangidos ou não para o serviço militar obrigatório e raptos da unita], o que se cantava era a saudade dos que tinham partido e que deles não se tinha notícias e a reinvenção das vidas para enfrentar os dias duros de futuro imprevisível. E assim, enquanto se metaforizava nas canções como "sambwa li sambwa obuji yatena moye" [entre duas elevações/lados o obus atingiu uma palmeira], também se cantava a saudade dos que tinham sido levados pela sorte madrasta e dizia-se "Kisasa kumbi otoka, bukanga twazeketu" [Quando Kisasa regressar vamos pernoitar fora de casa, a conversar, cantar e contar coisas nossas].

As letras eram curtas e repetitivas, mas com sentido e alcance muito longos.

"Bwahila Toy inyungu ibiloka!" [Onde morreu o Toy os abutres estão às voltas para debicar os seus restos]. 

Depois de kitotas, a presença de abutres em algum lugar era indicadora da existência, por perto, de um cadáver (humano ou de outro animal qualquer).

Os inválidos, os envergonhados, os tímidos e toda a sociedade, individual ou colectivamente, também eram "personagens" das letras das canções que, muitas vezes, mudavam apenas a estória, mantendo a melodia e o tilintar do tambor e do bujão. "Nange, nange, Xoxombo wombela, wombela, Xoxombo nange, nange katé okyo wombela" [De tanta solidão, causada pela timidez em desfiar o rosário a uma jovem, Xoxombo teve de recorrer ao estupro].

Assim era o cancioneiro popular com história e estórias fundadas no longo percurso da sociedade e nos anseios transformadores do amanhã.

sábado, fevereiro 01, 2025

"QUE FALOU KIMBUNDU É ZINHA DOMINGO"

A escola era entre a aldeia de Mbango Yo'Teka e a aldeola de Kabombo. Um quarto, que restava da antiga residência do Senhor Marques, colono português que àquelas terras fora degredado para fazer agricultura, servia de sala de aulas. O professor era Faustino Kisanga Bocado. Como o ensino era e é ainda em língua portuguesa e os nativos de Kuteka mantinham o contacto com a anterior língua colonial apenas quando chegasse a idade escolar, o uso do Kimbundu (no recinto escolar e em casa) fora proibido para acelerar a língua veicular em Angola.

Assim, aqueles que fossem ouvidos a glosar o Kimbundu, fosse na lavra, durante as pescarias (rapazes) ou recolha de lenhas (meninas) eram denunciadas, se não houvesse um bom pacto entre eles.
Alguns pediam aos outros tréguas ao uso do português e todos, mas todos mesmos, se comunicavam na língua materna, inibindo qualquer traição ao professor Bocado. Sorte semelhante não teve a Zinha. Eram duas meninas homónimas na sala improvisada da pré-kabunga que recebia as lições debaixo da frondosa mulembeira.
- Camá, prossor, ontem Zinha falou Kimbundu. - Denunciou Kephele.
O professor olhava para a Zinha Miguel, a mais dada a violar a regra "Kimbundu zero", imposta a todos os alunos.
- É mentira, camá prossor, eu não fali kimbundu. Que falou Kimbundu é Zinha Domingos. Falou assim, "mbomba mu hondja Ùwabe"! [banana com bombó é saborosa!]

E assim ficou registado. Passam quase cinquenta anos. Sempre que se alude à proibição do uso do Kimbundu na escola ou ao mau português usado pelos meninos que frequentam a escola, surge essa cena contada de boca em boca e de geração em geração.
_ Mbomba mu hondja ùwabe!