(Rangel em Luto)
Os génios são raros e aparecem na vida das pessoas e das sociedades de forma esparsa. Cada génio o é no seu mundo (que pode ser grande ou circunscrito). O inventor da lâmpada foi um génio. Mozart também foi (ninguém tocava como ele no seu tempo cronológico e histórico), assim como quem (nascido no meio da pobreza) retira a família da indigência, dá dignidade e, acima de tudo, um nome reconhecido e respeitado pela sociedade.
Nelson Ferreira Cabanga enquandra-se nessa última descrição de génio. Todavia, a sua genialidade não se ficava por aí. Nos seus últimos anos, tinha se tornado em um exímio tocador de reco-reco, amante da música nacional de qualidade e vida intemporal (sempre acompanhada à dança), promotor de literatura no bar da sua Capirica (Pousada) e de convívios inter-amigos do e no Rangel, Sumbe e outras paradas. O Ngulu do Capirica era uma de suas marcas, para além da "brand" NEFECA que era abreviatura de seus três nomes.
Ainda pequeno, no areal defronte ao antigo Supermercado Kiluanje (onde se acha hoje a Escola Emwikwi II), Nelson destacou-se no trato com a bola, o que lhe fez ganhar a alcunha de Ndunguidi, por sinal, nome de um craque do futebol angolano de então e de todos os tempos.
Pandy Santana, contemporâneo de Nelson Cabanga, recua ao "Ano da Formação de Quadros", 1979, e decreve o amigo de infância com quem conviveu mais de 45 anos:
"Um amigo do futebol com bolas de meias e sacos, das brincadeiras nocturnas à luz da Lua no nosso musseque Rangel. Já adolescente, Nelson deixou Luanda rumo a Ngunza Kabolo, Sumbe, onde ingressou no Instituto de Petróleo, formou-se engenheiro e construiu uma carreira exemplar, sempre pautada pelo brio e pela dedicação.
Mais que um profissional de sucesso, Nelson era um visionário, um empreendedor. No bairro, onde guardamos com alguma vaidade as nossas memórias da infância, criou o Capirica, um espaço que se tornou um marco no Rangel, ponto de encontro de gerações, amigos e de outras pessoas de pontos próximos da banda. Com este projecto, ele uniu pessoas e fomentou a cultura, o desporto e algumas iniciativas de solidariedade, marcando positivamente a vida de muitos.
Homem de família, Nelson edificou não apenas um legado profissional, mas também uma bela família, que agora carregará a sua memória como inspiração".
Quanto a mim, o primo Nelson, ultimamente "kota Cabanga", era o primo inspirador. Conheci-o apenas em 1989. Eu saído de férias do Lubolu e ele do Sumbe onde estudava no INP.
Ele era amigo de seus amigos e eu construindo ainda os meus poucos (da minha faixa) em Luanda. Havia, contudo, algo comum que era/é a escola. Quando, em 1992, ele terminou o ensino médio e começou a trabalhar em uma petrolífera francesa, perguntei-lhe que curso tinha feito e, em 1993, escolhi igualmente o de Geologia e Minas, no mesmo instituto que, entretanto, não cheguei a fazer.
Lembro-me como hoje o dia em que fomos ao Kikolo (entre o Cemitério e a igreja católica) comprar os primeiros blocos com que construiu a casa para a família. Foi ele quem retirou os pais da casa de renda.
O tempo correu. Ele crescendo na indústria petrolífera e eu no jornalismo, fomos aprofundando a comunicação e os laços de parentesco. O nosso último plano era desenhar a árvore genealógica, aproveitando os poucos idosos que ainda nos restam. A empreitada fica pela metade. Algumas coisas estão anotadas e publicadas, mas falta o detalhe trazido por uma amena discussão. Quando me apresentou a Capirica, de novo o imitei e projectei a Kam&mesa.
_ Ó Nelson, tens de deixar que os parentes usem as instalações da Capirica sem pagar no mínimo metade dos custos. Tens salários e manutenção no fim de cada mês. _ Alertei ao me aperceber que cedera quartos para parentes que se deslocam ao Rangel.
_ Tens razão, primo, mas eles são nossos parentes e têm mais dificuldades do que nós. _ Respondeu-me. Corria o mês de Setembro e estávamos engajados em solucionar o funeral e pós-funeral de um nosso cunhado.
Chegou Outubro e a saúde do Nelson fraquejou.
_ Primo, estou avariado no cubico. A velha Maria está a cuidar de mim. _ Disse-me em mensagem no dia da independência.
_ O Nelson doente em casa e a tia Maria a cuidar dele só pode ser coisa leve. _ Pensei enganado.
Dias depois, mandou-me descrever fotos de nossos parentes já finados.
_ Primo reconheces?
_ Tio Ferreira (teu chará), tio Ernesto e avó Hebo. _ Anotei.
_ E o último? _ Indagou o Nelson Cabanga.
_ Este é o Moisés. Não precisei de descrever porque é de mais fresca memória. _ Expliquei, ao que ele concluiu:
_ Afinal és mesmo kota!
Conhecedor do seu mundo, vivendo e respirando o seu Rangel, Nelson foi autor de várias crónicas publicadas no seu mural de Facebook e algumas no Jornal Cultura, descrendo vivências no Rangel e Sumbe, sempre apimentadas com aspectos históricos e culturais.
Retomo o Pandy Santana para dizer que nenhum discurso nos ameniza a dor da perda do "kota Cabanga" que é grande. Todavia, "as suas conquistas e o seu exemplo permanecerão como testemunho de uma vida vivida com propósito e generosidade".
Os que ainda têm voz choram.
Os que têm lágrimas lacrimejam. Os que têm força procuram levar o Nelson à sua última morada.
O Nelson era um homem de paz e com um coração que bombeou o altruísmo até ao último toque. Que o seu exemplo nos inspire, alivie o fardo da probreza intelectual e material e amenize os nossos egos!
Até já, kota Cabanga!
Soberano Kanyanga, 01.12.24.