NO DIA DE ÁFRICA
Mama wadikwata mukondo. Ki ngibanza ngi dila, masoxi moso mabulumuka (vejo a mãe em pratos, quando penso, choro, todas as lágrimas caiem-me). Este é um dos sons que recebem quem passa ou se senta nas "bancadas" da Praça da República, no Memorial António Agostinho Neto. O olhar do Mausoléu estende-se sobre o Atlântico das caravelas e dos tuga-colonos que nos forçaram à luta para a emancipação. Mas o Mausoléu estende também o seu olhar a sul, a este e a norte de Luanda e do país. O seu interior é um museu multidimensional incaracterizável numa coluna e prosa como essa que é de circunstancia. Mas voltemos ao som largado pelos altifalantes que lembram os tempos da mocidade dos nossos pais (para quem já tem mais de quarenta) que dançara "sunguras quenianas" expelidas por gramofones e ou canudos pendurados em árvores ou repousando no telhado.
A música de intervenção daquele tempo, tempo do "injangu a jitambula, mawta a sala nawo", tempos do apelo à revolução contra o velho sistema e busca de um homem novo para criar um mundo novo. Coisas da história que nem todos dominam. Mas vamos voltemos ao Mausoléu de Neto. A paz, a tranquilidade que o local oferece para meditar, refletir, estudar, compreender fenómenos de qualquer índole é inigualável. E os altifalantes "amarrados" aos pilares, como acontecia nos Centros de Instrução Revolucionária (Lumege-Cameia, Capango, Cazaji, etc.), também expelem poesia. Voz igual, Havemos de voltar, Carta de um contratado, Carta em papel perfumado, e muito mais. No Mausoléu, Neto "chama" os seus contemporâneos e, juntos, cantam o pais que sonharam, contam estórias do nosso povo (da escravidão à liberdade) e criam amor (com os olhos secos).
O Memorial que me recebeu nos festejos dos quarenta anos da independência voltou a acolher-me com o aprazível canto dos passarinhos a Neto e coetâneos. O silêncio dos pardais, quando é hora de reverenciar os que tudo deram, até a vida, para que nos sentássemos livremente na Praça da República, é outra atracção. Os pardais, normalmente não se calam durante o dia. Mas aqui reverenciam.
E nesta dicotomia entre o canto e o silêncio, tentei compor uma quadra, porém, nem um terceto consegui. Senti-me pequeno, demasiado pequeno, atingi o zero ao lado de Neto que recitava no altifalante da praça o "Adeus à hora da Liberdade".
Paz e liberdade para estudar e passar com aproveitamento é só mesmo no Mausoléu, à praia do Bispo.
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta a 07.06.2018