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sexta-feira, maio 25, 2018

REVIVER OS "TEMPOS DE NETO"

NO DIA DE ÁFRICA
Mama wadikwata mukondo. Ki ngibanza ngi dila, masoxi moso mabulumuka (vejo a mãe em pratos, quando penso, choro, todas as lágrimas caiem-me). Este é um dos sons que recebem quem passa ou se senta nas "bancadas" da Praça da República, no Memorial António Agostinho Neto. O olhar do Mausoléu estende-se sobre o Atlântico das caravelas e dos tuga-colonos que nos forçaram à luta para a emancipação. Mas o Mausoléu estende também o seu olhar a sul, a este e a norte de Luanda e do país. O seu interior é um museu multidimensional incaracterizável numa coluna e prosa como essa que é de circunstancia. Mas voltemos ao som largado pelos altifalantes que lembram os tempos da mocidade dos nossos pais (para quem já tem mais de quarenta) que dançara "sunguras quenianas" expelidas por gramofones e ou canudos pendurados em árvores ou repousando no telhado.

A música de intervenção daquele tempo, tempo do "injangu a jitambula, mawta a sala nawo", tempos do apelo à revolução contra o velho sistema e busca de um homem novo para criar um mundo novo. Coisas da história que nem todos dominam. Mas vamos voltemos ao Mausoléu de Neto. A paz, a tranquilidade que o local oferece para meditar, refletir, estudar, compreender fenómenos de qualquer índole é inigualável. E os altifalantes "amarrados" aos pilares, como acontecia nos Centros de Instrução Revolucionária (Lumege-Cameia, Capango, Cazaji, etc.), também expelem poesia. Voz igual,  Havemos de voltar, Carta de um contratado, Carta em papel perfumado, e muito mais. No Mausoléu, Neto "chama" os seus contemporâneos e, juntos, cantam o pais que sonharam, contam estórias do nosso povo (da escravidão à liberdade) e criam amor (com os olhos secos).

O Memorial que me recebeu nos festejos dos quarenta anos da independência voltou a acolher-me com o aprazível canto dos passarinhos a Neto e coetâneos. O silêncio dos pardais, quando é hora de reverenciar os que tudo deram, até a vida, para que nos sentássemos livremente na Praça da República, é outra atracção. Os pardais, normalmente não se calam durante o dia. Mas aqui reverenciam.
 
E nesta dicotomia entre o canto e o silêncio, tentei compor uma quadra, porém, nem um terceto consegui. Senti-me pequeno, demasiado pequeno, atingi o zero ao lado de Neto que recitava no altifalante da praça o "Adeus à hora da Liberdade".
Paz e liberdade para estudar e passar com aproveitamento é só mesmo no Mausoléu, à praia do Bispo.
  

Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta a 07.06.2018

terça-feira, maio 22, 2018

ANTIGAMENTE NO RANGEL

 O tambor, uma lata de leite de qualquer marca, agredido por um ferro ou uma pedra, gritava ao máximo de sua força. Pá-pá-pá-pá.
Atrás do som, uma, duas ou três senhoras, lábios secos e pés empoeirados de tanto gritar e caminhar, soltavam um coro, alegre para a nossa inocência de tundenge e preocupante para as mamães que podiam estar naquela situação um dia, a contar com as nossas travessuras e o seguidismo ao Mam-Brás, ao cavalo-tica-tica, e, sobretudo no tempo de carnaval. Essas as mamães confirmavam antes a presença dos seus tumbonga é prestavam-se em passar informação e pedir detalhes sobre o garoto ou garota desaparecida.
- Pá-pá-pá... O gritar intrépido da lata já ampliada ia, deixando rasto na rua varrida manhã cedo pelas mamães. Cada uma atacava o seu lado. Lixo tinha lugar, o balde, no quintal, e depois o depósito com ou sem contentor.
Atrás do barulho da lata, ou quase em simultâneo, a manhã aflita e suas companheiras gritavam, quase já sem força. Apenas esperança em reencontrar o filho amado.

- Nanyi wa ngi bongela kambonga Kadyaléééé? E a lata tambor continuava Batucando.
É esse o Rangel do meu tempo, século passado, quarenta anos.
E o som, as trambiquices, as magoelas na carroça do carro do vizinho ou dum visitante qualquer, as pescarias de "bagudas" na vala Senado da Câmara, junto ao Catetão, as cercanias da DTA para apanhar loiça descartável já descartada, os pinos na Chicala e ou na praia do Mbungu, as castanhas de caju que só o comboio permitia chegar ao quilómetro trinta de Viana, tudo isso ainda no ouvido e na memória.
- Vocês, estão a ouvir né? É melhor tomarem cuidado. Se calhar quem se perdeu é vosso amigo da bola ou de brincadeiras. Quando mamã fala não sai é mesmo para não sair.
Qualquer vizinha era tia. Era mamã no aconselhar, repreender se necessário e acarinhar quando injuriado. 
- Filho 'lheio tem 'mbora razão dele. Pra quê só fazer no filho da outra quando você também tem kambonga? - Acudiam.
Hoje, com escolas do povo, colégios privados, ATL e creches para todos os bolsos, media e redes sociais para todos, nem o pregão que procura o filho desaparecido, nem as brincadeiras são as mesmas. Tudo mudou. Até às razões das desaparições dos meninos. Hoje, a atenção redobrada é com raptores de menores. Porque a Televisão, os jogos, as escolas e os quintais murados feitos prisões já não as leva tanto a caçar gafas, apanhar peixinhos para guardar em aquário de garrafão cortado, nadar inocente no perigo da Chicala e Mbungu ou pendurar-se ao comboio para chegar à fonte de castanhas de cajú. São outros os males e os remédios também.

Texto publicado no Jornal Cultura de 22 de Maio de 2018.

terça-feira, maio 15, 2018

MADRES, ROUPAS, TELEFONES E REGUADAS

Na escola, roupas ou vestuário adequado, comunicações ou telefones (para os dias de hoje) e a (im)pertinência de reguadas são temas sempre presentes nas conversas formais e informais dos que labutam e frequentam instituições escolares dos primeiros níveis.  E, quando madres se juntam à escola, a "conversa" ganha mais vida.
Estive (28.02.2015) num colégio gerido por madres, ao Kikuxi, Luanda. Uma boa iniciativa que leva o ensino de qualidade e a bom preço ao museke. As propinas me pareceram modestas, quando comparadas com as praticadas por outros colégios, mas elas, as madres, foram claras em explicar que embora a criança matriculada "não seja culpada pela falta de pagamento dos pais, não devendo por isso ser convidada a abandonar a sala de aulas, a instituição tem trabalhadores assalariados" que devem receber pontualmente os seus ordenados.
A coordenadora da escola chamou também a atenção dos pais para que não viciem as crianças aí matriculadas com dinheiro e coisas extravagantes. "Há pais que dão dinheiro aos filhos. Levem o dinheiro aos pobres ou às cadeias", disse a irmã Leopoldina, realçando que outras crianças vêm com telefones muito sofisticados. "Não viciem vossos filhos com coisas impróprias para a sua idade", rematou a religiosa  que coordena a escola das madres, "S. José do Colouny" do Kikuxi. Para mim, são conselhos que se aplicam a todos os pais e encarregados de educação e a todas as instituições de ensino.
Ainda no campo comportamental, a cristã frisou que está a ser alarmante na  instituição a separação dos pais. "Além dos vossos motivos devem pensar nas crianças. Vemos que uma criança que lia já não lê mais. Umas já vêm sujas porque deixou de viver com os dois e agora está somente com um". Os pais, explicou, devem cuidar também da roupa dos filhos. Não devem usar roupas muito curtas, nem inapropriadas para uma escola (como essa). Vemos mãe e encarregadas de educação que chegam aqui com sainhas e decotes que não se recomendam, lembrou.
Já no fim, quando os pais e encarregados de educação conferiam com os professores o comportamento dos petizes, eis que me surpreende um senhor bem-falante e igualmente bem trajado defendendo castigos físicos aos alunos, comparando o seu tempo de escola com o hodierno. Eu era "um pato naquela ceia", fui apenas procurar o amigo Bernardo Bumba que tinha um cachimbo para me ofertar e enfeitar a minha banga de prosador, mas quase intervi para recordar-lhe das aulas do pedagogo Amós Komenius. 
Surra já era, senhor encarregado. A ciência demonstra que sem ela também se aprende e que violência gera violência. Os tempos mudaram. Senti vontade de lhe dizer tudo isso e mais umas coisas, mas quem interveio a seguir a ele explicou que era professor e que nenhum mestre mudo de pedagogia moderna recomendava as reguadas do "nosso" tempo de kapalandanda.
A "Maria das Dores" que tirava "lágrimas de sangue" ficou no século XIX (XX para nós nascidos antes ou na alvorada da Angola Independente).

Texto publicado no Caderno Fim-de-semana do Jornal de Angola, pag. 10, ed. 11.03.2018

terça-feira, maio 08, 2018

"AGUARDAR COLOCAÇÃO" EM AR CONDICIONADO

Num curto texto publicado na sua página da rede social face book, Ismael Mateus, entre outras questões que levantou, questionava a razão da existência de "bons quadros" na condição de "aguarda colocação" em organismos públicos e em algumas empresas públicas e privadas quando há municípios "às moscas". dada a pertinência do assunto, e visando despertar consciências sobre a pertinência do assunto e o desperdício ao Estado e ás empresas em que se constitui a referida condição de "AC", vimos retomar o tema, colocando demais questões.
- Por que será que muitas empresas e instituições conservam a categoria de AC (aguarda colocação), quando há dispêndio em salários e demais regalias inerentes?
- Sendo o salário algo proporcional à prestação laboral, faltará trabalho para fazer em uma organização?
- O que faz um "AC", regularmente pago, senão biscatear, empregar-se em outro patrão, fazer negócios, viajar ou engordar a custa dos outros que efectivamente labutam?
- Não haverá trabalho nas comunidades, nas localidades, nos municípios ou até mesmo prestar uma assessoria mais específica ao chefe que decide a condição de "AC"?
- Não faltarão visitas de constatação, inspecções, ajuda e controlo, etc.?
- Um indivíduo na condição de "AC" só pode trabalhar em ambiente de AC (ar condicionado)?
- Um bom técnico que tenha prestado serviços relevantes ao serviço público, empresa pública e ou privada, não pode fazer trabalho de campo? É desprestígio?
- Os líderes/chefes não gostariam de visitar determinados pontos, sectores, filiais ou representações sendo impossibilitados pela agenda? Que tal se os "AC" os substituíssem n essas missões?
- Quanto custa sustentar um "AC", quando adicionado o mau estar que provoca entre os que realmente trabalham e que estão remuneratoriamente abaixo dele?
É sabido que enquanto mais "velhas" se torna a organizações mais propensas se tornam em relação ao fenômeno "AC", dada a mobilidade de Capital Humano para outras organizações que, depois de cumprida a missão, devolvem o colaborador à origem onde encontra o posto ocupado ou sem vaga no organograma. Porém, se se remunera, cumprindo com o ético e legal, há que se dar trabalho, pois a condição de "AC" é, a meu ver, perniciosa à organização que paga sem receber trabalho, ao afectado e aos demais integrantes da organização.




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terça-feira, maio 01, 2018

KAXOMBA

O ambiente rural de Angola, entre os ambundu, regista o vocábulo "Kaxomba" que se reporta a uma patologia que afecta crianças ainda de tenra idade. O registo é de que o infante fica debilitado e com aspecto pálido. Casos dessa natureza, quando levados aos serviços médicos, são, geralmente reportados como anemia.
lançada a questão a parentes e amigos kwanza-sulinos e malanjinos sobre o que é "Kaxomba", como se manifesta, como era tratada e quais eram7são as consequências, recebemos as seguintes respostas:
"Kaxomba é uma doença (que se manifesta) em tenra idade,1 a 2 anos, e que os velhos diziam que (ser) sangue a mais, enquanto, no fundo, era anemia severa. Tratamento: lâmina ou outro objecto cortante na mão da avó ou tia, fazendo alguns tracejados (no rosto da criança), seguido de banhos de água morna e folhas cheirosas", respondeu Matias P, também ele vítima de tal "tratamento" que o deixou com "tatuagens em baixo relevo" no rosto.
Jaime CC, licenciado em enfermagem, acrescenta que a dita é "doença amigdalítica que impede a criança de se alimentar, causando anemia".

Para Judite L, licenciada e mestrada em enfermagem e com conhecimento da realidade brasileira, o que se designa por "cachumba" no Brasil é a nossa famosa papeira, quando a criança fica com a região da mandíbula abaixo das orelhas inflamadas, situação que ocasiona febres e dores ao mastigar ou engolir alimentos. Os mais velhos nas aldeias, persegue,  tratavam com óleo de palma e fricções no local.
Francisco C. diz que "...foi uma prática que assolou parte dessa Angola. A região de Songo, Kunda dya Baze, Kaombo e Marimba, em Malanje, não foram poupadas".
O. Pedro L diz que "em finais dos anos 80 do século XX ainda assistiu a essas acções, mesmo em Luanda, no bairro Sambizanga, praticadas por gentes oriundas de Malanje e Kwanza-Sul"...
A "kaxomba" foi responsável, até finais do século XX, por muitas mortes infantis. Crianças com a dita doença eram submetidas à extracção de suposto "sangue mau" para que "a doença abandonasse o corpo e com o novo sangue (que muitas vezes acabava não tendo) ganhasse saúde". Quando vemos adultos e jovens com tracinhos (faquinhas) no rosto, nos devemos lembrar que não foi (apenas) por uma questão de "kidimbu" (de que origina a palavra portuguesa carimbo), tradicional entre os súbditos (emissários) do rei Ngola. Trata-se de uma tentativa (crença mitológica) de salvar a criança adoentada e acossada por anemia que podia até derivar de má nutrição. Por isso, um crasso erro de gente com essas crenças e falta de informação médica.
A dita "kaxomba" é anemia, debilidade do sistema imunológico. 
Empenhemo-nos na formação e informação e haja menos discriminação de quem foi vítima de ignorância, falta de meios de atendimento médico e medicamentoso e até mesmo de cuidados alimentares para com infantes.
Se persistir ainda essa crença por algum lado do nosso país, devemos formar e informar e evitar mortes e ou ostracismo e bullying no futuro.
A kaxomba cura-se no hospital. No Brasil uma patologia descrita com os mesmos sintomas que "a nossa kaxomba" é designada cachumba, inexistindo naquelas paragens a cura por meios mitológicos como acontecia até há bem pouco tempo em Angola.