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domingo, abril 29, 2018

ATINGIMOS A "ADOLESCÊNCIA"

Já lá vão 14 anos desde que, a 29 de Abril, na Universidade Católica de Lisboa, criámos o "Olhoatento" que viria a ser rebaptizado, na língua Kimbundu, por "Mesumajikuka".
 
Surgimos como espaço sarcástico, reproduzindo (in)fielmente estórias vivenciais dos estudantes ao Curso de Jornalismo destinado aos PALOP (3ª edição), organizado pela Fundacção Gulbenkian e UCL. 
 
Já lá vão 14 anos. Do generalista "OLHOATENTO" emergiram outros blogues temáticos, como sejam: www.canhanga.blogspot.com (aforismos), www.agricultarte.blogspot.com (dicas sobre plantação), www.olhoensaios.blogspot.com (apontamentos sobre recolhas históricas e sociais), www.atura-liter-atura.blogspot.com (laboratório de escrita artística), www.10encantos.blogspot.com (poesia).
 
 

domingo, abril 22, 2018

O SOL E O MAR

Você que sempre relacionou o mar ao pôr-do-sol; Você nascido em Cabinda, Zaire, Bengo, Luanda, Kwanza-Sul, Benguela ou Namibe; Você que, tendo nascido em província angolana do interland, tem visitado o Atlântico-Leste (oeste do nosso país) e relacionado ou levado para o seu subconsciente que "para nós, o sol morre no mar";  depois de um sono e sonho profundos "acorda", bem disposto, abre a janela e vê que, sendo manhã ainda, seis e meia, o sol está, ainda uma criança sem força, no lado oposto em que sempre o viu morrer.
Corre para a janela oposta, onde normalmente ele nasce, e não o vê. 
- Capalama!
Consulta o relógio e confirma a hora. Sete menos um quarto. Passa a mão pela cabeça, procurando se reencontrar. 
- Será que a terra virou e a casa está em sentido contrário? - Questiona-se colhendo apenas silêncio.
Com mais detalhes, visita ocultamente o bairro. Os vizinhos, o sentido do trânsito, o pregão das kitandeiras e tudo mais... Está tudo no sítio certo menos o sol.
Pois é. Nem sempre o sol morre no oeste. Ele nasce, sim, no leste ou oriente, na região dos "magos" citados na bíblia cristã. Porém, os mares, os oceanos, os lagos, as lagoas, os rios, os cursos de água pluvial têm duas margens. Você estará eventualmente em apenas na margem oposta do Atlântico. Estará na costa atlântica da América. É assim que eles vêm o sol nascer (pelo leste, no mar) e morrer floresta adentro, escondendo-se entre montanhas e copas frondosas de árvores do Amazonas.
Quão bom é sonhar estar no lado oposto do Oceano e ver o sol a nascer na posição em que o vemos morrer? É o que gravou o seu subconsciente. Tenha mais sonhos!

Publicado no jornal Nova Gazeta de 15/03/18

domingo, abril 15, 2018

VUZADO EM "CAPE"

Mangodinho, na banda dele, em Kalulu, e em Luanda acha-se um "grande vivo", individuo culto e esbanjador de luminosidade por onde passa. Quando atravessa a Via Expressa Comandante Fidel Castro, a banga que faz ´´e somente comparada à de um macaco que tenha visto banana madura e desguarnecida. Passo largo, elástico e cadenciado. Kwá- Kwá-Kwá! Só ele e mais ninguém.
Na terra do arco-iris, onde, em vez de espreitar primeiro à direita e depois à esquerda, é o inverso, Mangodinho escapou "ser engomado" por uma 'mboa (deve ser mwangolê) que só sabe acelerar, virar o volante e travar, de vez em quando.
Mangodinho, com a mania dele de andar estiloso, espreitou à direita e nada. Pensou que a estrada fosse de sentido único e sem carro por perto.
_ Não está a vir carro nenhum, vou atravessar.
Banga em "Cape", para ele, era tipo sol que, por aquelas há mais do que chuva rara nos tempos de hoje.
A 'mboa ia na bisga, a zunar. Quando Mangodinho ia pôr, bangosamente, o pé da frente no passeio e puxar o da trás, ouviu: cru-cru-cru-tawas! Nem tempo teve para mobilizar o corpo à corrida.
Caiu ali mesmo. A 'mboa, uma kamusekele tipo latona, brilho na pele parecia "feitiço". Ela a tremer de medo e ele a tremer de susto. Os dois olharam-se nos olhos, pareciam adolescentes apaixonados à procura do beijo inaugural. 
- Are you ok? - Indagou a kindoza.
- Ok! - Respondeu ele, mesmo sem ver se o pé estava ou não partido, se estava ou não ferido ou luxado. Pronto, respondeu só usando o "kainglês" que tinha na cabeça.
O polícia que estava por perto fez a vênia à 'mboa e essa meteu-se no popô, seguindo o seu caminho. Olhos só na frente.
Mangodinho, sentado no passeio, descalçou os sapatos, viu a arranhadura a ficar vermelha quase a alcançar a pele bonita da mulher kamusekele que por pouco o mandava para a outra vida. Ficou a pensar pensamento de medo.
- Se me bondassem aqui quem iria contar o óbito na banda?!
Chorou um choro longo a que se seguiu um sono também longo, depois de massageado o corpo com um "usa bem", à moda biena.

Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 04.05.2018

domingo, abril 08, 2018

SAWUBONA!


Na banda muito dikelengo, porque eu já ganhei dois campeonatos de falar inglês. Chegou a Soute, virou gago. Vale apenas ainda na terra dos dâmaras, onde andava com o dicionário no sovaco e lápis no cabelo. Na Soute, nem pensar. Népais!
Mangodinho, a assanhadice saiu-lhe, desta vez, pela culatra. Qual disparo verbal, qual quê?
Primeiro, mandaram-lhe, de controlo, um "Sawubona", quando entrou no avião. Procurou no dicionário e não encontrou a palavra. Depois, quando estava a descer, ouviu a aeromoça a dizer-lhe
"dmari gadley totsi", acompanhado de um acenar da mão. 
- Será que disse até breve ou até amanhã? E sawubona então é quê? Será que disse vais viajar bem, sem tremura no avião?
Chegou à terra querida, motherland, solo pátrio. Mas o pensamento na cabeça dele é somente sobre sawubona e o tal dmari gadley totsi. 
Já tomou decisão.
- Esses wis não podem voltar a me brincar. Sou Soba, autoridade respeitada na Pedra Escrita, Kuteka e arredores. Mesmo na Ngimbi, capital da República nossa, toda a gente que me conhece me respeita. - Reclamou aos ventos, acrescentando que "Quando Mangodinho abre a boca até o vento pára de fazer circulação confusa. Por que esses gajos não me dão valor? Volto à Champions aprender inglês. Ano que vem vamos nos reencontrar e quero ver se vão mais conseguir me avacalhar ou me aguentar minhas gorgetas. Fiquem lá com vosso inglês de meia-tigela que não aparece no dicionário que meu pai Sabalo-a-Soba  trouxe da própria England. Brinquem com os outros gajos que são kawisu, pá. Um gajo vem a falar bom inglês aprendido na Champions e vocês a quererem me trocar as ideias com o vosso Kimbundu daqui? Pensam que nós também não temos? Temos. Temos Kikongo, Umbundu Oshiwambo, Ucokwe e muito mais que já estamos a dar o devido valor e a aprender e a falar nas repartições públicas e nas escolas do povo e dos privados. Pensam que nós só sabemos plantar batata? Rocharam. Também temos...
Akuna matata, mazé, pá!


Texto publicado a 01.03.2018, no jornal Nova Gazeta

domingo, abril 01, 2018

UMA MONTANHA SEM BRILHO


À frente do hotel em que estava hospedado, a kamunda mostrava-se arejada e asseada. Árvores poucas, relva escassa mas cuidada, porquice nada! 
Mangodinho recuou a fita e ficou a pensar na Ilha Seca do seu Zango III e ainda na na sua Boavista do Sambila.
- Epá, esse mambo, se fosse na banda, era "bom sítio" para casitas de lata e aguardar pelo realojamento do Estado. Mas aqui nada. - Pensou.
Passeou o olhar à volta e viu a montanha grande, parecida com mesa, lá em cima, também toda sem brilho e sem lixo a transbordar como acontece na sua Table Moutain da Coreia, na Samba, cujo topo abre caminho ocular para a ilha do Cabo, Xikala, Musulu e ilha da Kazanga.
- Será que é por causa da ausência de casotas oportunistas de chapa? É que isso não brilha mesmo!
Na tasca mais próxima, foi tomar uma bebida que se parecia ao "usa bem", kapuka da ponteira, feita de usambe (batata-doce em Umbundu). Precisava de diminuir o cansaço da marcha e puxar o calor que não vinha, mesmo andando debaixo de sol intenso. Melhor, Mangodinho precisava era de "caloriar", como ele apelida o suor.
De espanto em espanto, viu ainda que na rua nenhuma dama andava com lata de gasosa na mão para cuspir. 
- Nem só uma? Mas aqui as damas não cospem nem no chão nem na lata de gasosa?
Sorveu as últimas gotas do "usa bem" e limpou a boca.
- Quantué?
- What?
- Quantué?
- I dont undertand you.
Lembrou-se que tinha falado português. 
- How much?
- Nine, five.
Pegou na cédula de cem Rands e a estendeu à balconista. Esta, por sua vez, tardava em devolver o troco pensando ser "tip". Já lá iam trinta minutos.
Mangodinho ficou a banzelar.
- Essa mboa não me traz o kumbu do troco, porquê? Xê, se pensas que vais me aguentar estás mal enganada. Vou te mostrar que antes dessa vida Mangodinho, que sou, eu já era vivo.
Aproximou-se à moça e puxou coragem. Pensou em  Português, traduziu ao pé-da-letra, soletrou as sílabas anglófonas e disparou:
- Misse, for other things, I can not speaking your language, but for money I can. Please, give me my change.
A moça, aprendiz de aguentadora, que já haviam feito suas contas para o after work, pôs mudança de recuo e entregou-lhe o kumbu.
- Fogo! Nessa vida é preciso ser viju. - Comemorou, pedindo mais um shot que apelidou de "usa bem" à moda angolana.


Publicado pelo Jornal de Angola, pag. 10, edição de 26.02.2018