Blog: litsubversiva.blogspot.com
Temática: Jornalismo, literatura, afro-descendência, cinema,
etc.
Local de alojamento: Salvador da Baia (Brasil)
Autora: Ana Paula Fanon (jornalista e escritora
afro-descendente).
Sábado,03 de março de 2012
Literatura
Angolana em cena:os escritos de Luciano Canhanga
A internet é um
meio de comunicação que possibilita a aproximação de pessoas de diferentes
lugares e culturas,embora o sociólogo Zygmunt Bauman no vídeo Fronteiras do
Pensamento e no livro Amor liquido convide -nos a fazer reflexões sobre
as relações virtuais.Foi neste contexto que conheci o escritor Luciano Canhanga
,visitei o seu blog, depois adicionei-lhe ao meu perfil no facebook e
conversamos sobre experiências literárias em países marcados pela colonização a
exemplo de Brasil e Angola.
Angola é um país situado
geograficamente na costa ocidental de África, cujo território principal é
limitado a norte e a nordeste pela República Democrática do Congo, a leste pela
Zâmbia, a sul pela Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico que, apesar do fim
da guerra civil em 2002 ainda sofre com os resquícios históricos.
Embora a língua portuguesa
seja o idioma oficial deste país, existem outras línguas que compõem a cultura
angolana como :umbundu, kimbundu, ambundu e a literatura é um meio de manter
contato com as manifestações culturais e as reflexões políticas de quem se
utiliza da palavra para registar a memória do seu povo.
Relendo a entrevista
concedida por Homi Bhabha (Prosa & Verso) O Globo sobre valor das
diferenças publicada em janeiro do ano corrente; em que Bhabha responde ao
jornalista porque ele coloca a literatura como a forma mais sensível e de
enorme significado entre os atos de sobrevivência cultural,cheguei a conclusão
de que o meu oficio político na diáspora é dar visibilidade as produções
literárias que estão a margem das chamadas alta cultura.
O entrevistado do blog
Literatura Subversiva é Luciano António Canhanga jornalista e escritor do
Libolo ,município da província do Cuanza-Sul, em Angola, autor do romance
"O Sonho de Kaúia", Mayamba, (2010).
Quando começou a sua carreira
literária ?
A minha paixão pelas letras teve inicio em 1983 quando um primo, Arnaldo Carlos,
me emprestou o primeiro livro que li, gostei e retive. Foi "Vozes na
sanzala" de Uanhenga Xitu. A escrita começa na década de noventa do séc.
XX, quando de forma ainda muito incipiente comecei a escrever os primeiros
poemas e a inventar algumas histórias, cujos personagens eram as pessoas que me
eram próximas. Com a criação do meu primeiro blog em 2005 comecei a publicar
algumas crônicas e artigos que evoluíram para o texto do meu primeiro livro
publicado em 2010.
Quem são os seus escritores(as)
prediletos (as) ?
Tenho uma admiração muito grande por Uanhenga Xitu e Jofre Rocha
que são narradores de situações. Escritores preocupados mais com o conteúdo do
que a forma. É óbvio que procuro encontrar o meu próprio caminho, mas
inspirei-me muito neles. Também admiro Saramago e Mia Couto. Em Angola cito
ainda Roderick Nehone e Jacinto de Lemos que são exímios cultores da palavra.
O senhor considera o livro O Sonho
de Kaúia autobiográfico ?
Não! Talvez me perguntasse se vivi parte do que escrevo? A
resposta seria sim, mas o que escrevo não é a minha história pessoal. Descrevo
apenas situações políticas, sociais e históricas vividas pelos angolanos. O
fato do personagem principal Kaúia tornar-se jornalista, profissão que exerço,
faz com que alguns leitores busquem uma relação de familiaridade entre o personagem principal e o autor.
Que avaliação o senhor faz da
literatura Angolana no Cenário internacional e nacional?
A internet popularizou a literatura e permite que os
pensadores/criadores intercambiem conhecimentos e experiências. Hoje as formas
e os conteúdos não são estanques. A nossa literatura já é marcadamente
diferente daquela do século passado, devido a universalidade da criação e
intercâmbio entre os criadores. Falando de Angola, depois de um período em que
haviam poucos escritores e com temáticas pouco distintas, estamos hoje a viver
um boom em termos de criadores. Óbvio
que "nem tudo é literatura", porém estou a crer que depois da
quantidade venha a qualidade. Já li bons textos de principiantes, mas também já comprei livros que
desaconselho a meus filhos, devido a forma como a língua portuguesa é
maltratada.
Angola é um país africano
colonizado e marcado por um período de guerra civil. A situação hitórica,
política e social do seu país refletem na sua produção literária ?
Quem lê “O Sonho de Kauia” encontra um pouco de tudo isso. A
luta pela independência (homens que foram à guerra e encontraram as mulheres
com os filhos nas mãos), os resquícios da “política assimilacionista do Estado
Novo” que proibia o uso das línguas de origem bantu entre os nativos, a guerra
civil que se seguiu a independência e o consequente êxodo de pessoas do campo
para as cidades, as adaptações, etc. etc. E encontra ainda as desordens sociais
nas grandes cidades como as construções anárquicas, o caótico tráfego
automóvel, as novas manias de grandeza, etc. É sobre tudo isso, a que acresço
pitadas de humor, que continuo a escrever. Quando sair a público o livro
"Os desaquartelados", os leitores voltarão a encontrar um retrato do
que foi e é Angola no tempo em que sou parte do seu agregado populacional
(1976-2012).
O que mudou no seu país após o
período de guerra civil ?
Depois de termos todas as atenções viradas para a guerra,
estamos agora a pensar na reconstrução do que foi destruído: o tecido social,
as boas práticas que foram ignoradas, o resgate do papel da família, etc.
Estamos a reconstruir Angola, mas o caminho ainda é longo, pois há coisas que
ficam reservadas a próxima geração, aquela que nada teve a ver com a guerra.
Quais são as suas principais
preocupações políticas, uma vez que o senhor além de escritor é jornalista ?
A liberdade é a minha principal preocupação. Não há sociedade que
se tenha desenvolvido num clima de ausência de liberdade e temos ainda uma
grande marcha por efetuar neste domínio. Os escritores tem liberdade de
escrever, mas há dificuldade em publicar. Sabe que Angola tem apenas 16 milhões
de habitantes, sendo grande parte iletrada, e, pior ainda, porque dos que foram
alfabetizados poucos têm cultura de leitura e há ainda os que não têm nada para
ler. Logo, Angola não é um bom mercado para a literatura, sendo que apostar
neste género artístico não anima os editores. Só para lhe dar um exemplo: Eu
compro na editora os meus próprios livros para oferecer a amigos.
Noto que os jornalistas têm mais dificuldades em relatar os
fatos, sobretudo, quando envolvem a governação. Muitas vezes, porque ninguém
quer estar mal com os detentores do poder e dos medias, os jornalistas
enveredam pela auto-censura que chega a ser mais perniciosa do que a censura
explícita. Hoje, os grandes jornalistas do país ou são free lancers ou estão na
assessoria porque a media privada começa também a ser submetida a operações de
compra hostis. Sendo os novos titulares dos jornais, pessoas ligadas ao poder e
com forte controle sobre as matérias publicadas.
Como funciona a política editorial
para publicação de livros em seu país ?
A política editorial no pais é ainda bastante fraca. No passado
era apenas a União dos Escritores Angolanos que editava. Ser-se membro da União
era o grande bico d´obra. Agora há novas editoras, só que, na maioria das
vezes, o autor precisa de ter um patrocínio para publicar. Essa dificuldade é
mais acrescida quando se trate de um neófito que procura por um lugar ao sol.
Os já consagrados têm alguma facilidade em ver o seu projecto aceito pelas
poucas editoras existentes e ou pelos patrocinadores, mas os livros vendem
pouco em Angola, devido a falta de cultura de leitura. Há uns que preferem
editar fora do país, mas lá se coloca outra questão: para vender fora você tem
de ser conhecido antes.
O senhor pretende lançar algum
livro este ano ?
Tenho dois livros a espera de quem os aceite editar. Um
infanto-juvenil "Manongo-Nongo", que até foi escrito com a pretensão
de oferecer às crianças do Leste de Angola, desde que alguém se encarregasse
dos custos de edição, e um romance "Os desaquartelados" que também já
pode sair ao público. Aprendi ao longo do processo de aprendizagem que “a
literatura adiada não apodrece. Ela antes amadurece”. É por isso que tenho
paciência em esperar por melhores dias, pois enquanto aguardo pela chegada do
sol, vou aperfeiçoando os textos.