Miguel Sakandembe tem 74 anos e viveu a sua infância em Saurimo. Sempre que passa pela nova ponte do Muangueji lembra-se dos dias de praia fluvial que teve e das pescarias com os SEUS amigos. Hoje, do rio da sua adolescência e juventude só restam saudades. As areias, resultantes das ravinas, transportadas do Acampamento, Manauto e Xikumina fizeram desaparecer a água e quando ela é vista, neste tempo de chuva, está toda turva, impedindo a reprodução de cardumes e de plantas ribeirinhas.
Nas suas nostalgias, Sakandembe lembra-se também duma cidade com bastantes árvores e, sobretudo, bambúss que, com as suas infindáveis raízes, serviam de cortina contra a erosão das terras. Foi um tempo em que as ordens eram acatadas e todos tinham responsabilidade sobre a vida colectiva e sobre o futuro de Saurimo.
Os dias que se seguiram à nossa independência, se bem que alegres, pois os destinos do nosso país são ditados por nós memos angolanos, foram também de algum descuido. Partiram-se casas e lojas que seriam úteis aos nossos filhos. Cortaram-se árvores que nos dariam sombras e travariam a força erosiva da chuva, sem que outras fossem plantadas para substituir aquelas que o crescimento da cidade forçou o seu abate.
Os bambús serviram para fazer o colmo de muitas casas e até hoje o que ainda resta vai sendo cortado indiscriminadamente, sem que uma outra cortina arbórea seja instalada aí onde termina a cidade.
Madalena Nakala vende carvão no mercado do Catorze. A senhora nos seus trinta e tal anos já perdeu a conta de quantas árvores derrubou para a feitura de carvão. Muitas áreas que eram florestas estão hoje desmatadas e com sérios riscos de nascerem ai outras ravinas por falta de cobertura vegetal. Madalena sabe que sem árvores jamais seria possível fazer o seu negócio, mas nunca participa de campanhas de plantio de árvores.
To-Zé Sakalumbo que vive no Murieji é um grande caçador. Todos os dias as suas armadilhas apanham cabras do mato, lebres e outras presas que comercializa no mercado do Adolfo.
Única coisa que ele ainda não dominava era a necessidade de fazer a selecção de presas apanhadas vivas. Um certo dia foi surpreendido pelos homens que trabalham na preservação animal e foi aconselhado a soltar as fêmeas, sempre que encontrasse o animal ainda vivo, porque são as fêmeas que permitem com que haja crias todos os anos. To-Zé segue o conselho e é agora um disseminador destas ideias na comuna do Murieji. O jovem To-Zé também participa das campanhas de arborização e está sempre a falar às vizinhas para que deixem de mandas as crianças deitar o lixo, pois a sua pouca altura não os permite colocar o lixo no contentor.
To- Zé e Madalena Nakala são pessoas da mesma faixa etária, mas muito diferentes, devido ao comportamento que evidenciam perante o equilíbrio da biodiversidade.
Plantar árvores para impedir o surgimento de novas ravinas, substituir as árvores que se cortam por velhice ou devido ao necessário alargamento da cidade, ensinar as crianças onde e como depositar o lixo, poupar as fêmeas na caçadas para permitir a reprodução dos animais, evitar a desflorestação das nossas matas para que tenhamos ar puro e sombras, deixar de lavar carros junto as ribeiras para evitar a contaminação das águas, entre outras medidas são tarefas de todos nós. Devemos nos esforçar em consegui-lo para que nem nós, nem nossos filhos tenhamos no futuro lamentos piores do que aqueles do Kota Sakandembe.
Cuide de si e do que está à volta de si.