1 – Jornalista. Escritor e Assessor de Imprensa? Onde se sente melhor?
– Digamos que o que faço de momento é a assessoria de imprensa na qual me sinto bem. Sinto valorizado e respeitado o meu trabalho e ali encontro equilíbrio emocional. "Quem corre por gosto não se cansa"- Diz o velho adágio. Apesar de haver muito quem tenha a ideia de que os assessores não passam de "recadistas" das respectivas direcções. Confesso que antes também pensava que os assessores de imprensa, vulgarmente chamados de porta-vozes, se limitavam a redigir, ler e/ou enviar comunicados de imprensa. O trabalho é muito mais árduo do que se pensa. Mas quando as coisas correm bem, e o trabalho é valorizado, sinto-me satisfeito comigo mesmo.
– A literatura é algo que há bem pouco tempo saltou do permanente campo batalha que são os nossos sonhos para a vida real e que vou exercitando, procurando superar-me a cada momento, com a noção de que se é aprendiz até ao resto dos nossos dias.
– Quanto ao jornalismo, este é o meu vício. Repito e reforço, meu grande vício. Porém, a questão deontológica coloca-me fora do campo. Não posso ser árbitro e jogador, mas vou exercitando no meu blog (www.mesumajikuka.blogspot.com) e acedendo a pedidos de alguns amigos virtuais para o exercício gostoso e saudável de deixar ali meras opiniões. Nada de notícias ou género informativo, por enquanto, mas como dizem os crentes, e bem, o futuro a Deus pertence.
2 – Sei que, enquanto adolescente, desejou ser agrónomo. Alguma razão o atrapalhou?
– Nasci no campo, no Libolo, num mundo rodeado por campos "agricultados" e tinha uma ambição, enquanto filho de um camponês: sonhava ser como os senhores engenheiros que se deslocavam de vez em quando às fazendas para fazer a vistoria e dar conselhos. Depois quis ser engenheiro de minas, encantado pela imagem que via dos geólogos que faziam pesquisas por aquelas paragens, vestidos com calções de caqui e botas, empunhando martelos e outros instrumentos.
Em 1992 cheguei mesmo a tentar o Instituto Nacional de Petróleos para o curso de Geologia e Minas mas aí foi a guerra a impedir-me de lá ficar, pois a mãe estava no Libolo e o lar de estudantes estava cheio.
– Tentei ainda ir ao Quéssua aonde o Instituto de Agronomia tinha sido aberto (e sem testes) mas a guerra, como sabemos, vai minando a vida de muitos e os sonhos de tantos. Aguardei pelo novo ano lectivo e acabei por entrar, através de testes, no IMEL onde vim a completar o curso de jornalismo.
3 - Em que circunstâncias aconteceu a mudança do jornalismo para a assessoria?
– Tive momentos felizes no jornalismo. Não teria sido o que sou se a LAC não me tivesse dado a oportunidade dos nove anos lá feitos. Depois chegaram de Portugal a Paula Símons e o Ismael Mateus que foram os meus padrinhos, profissionalmente falando. Estes apostaram em mim e penso que não os decepcionei. Porém, a renda, aquilo com que se mantém uma família, era verdadeiramente irrisória. O acidente que sofri em 2005 no qual pereceram dois colegas foi a gota que fez transbordar o copo do gosto pela profissão. Saído do hospital, senti imensas dificuldades financeiras o que me fez pensar noutro patrão, onde pudesse sentir um pouco mais de segurança. Quando surgiu a oportunidade para uma entrevista que me levaria a elaborar um projecto de gabinete de comunicação para a Catoca não hesitei e aqui estou há já cinco anos.
3 – Muitos jornalistas encaram a assessoria como uma meta, necessária, a alcançar. É assim que pensava enquanto esteve no jornalismo?
– Liminarmente não. Gosto de desafios. O que eu pensava da assessoria de imprensa era que ela fosse o "repouso dos cansados ou comodistas". Hoje tenho uma visão muito diferente. Fui à assessoria porque depois de experiências num curso que fiz em Lisboa e do curso de Comunicação Social que já frequentava no ISPRA dei-me conta que a assessoria era muito mais do que os leigos pensam. Assumi o desafio de começar algo do nada e montar uma máquina. Hoje dou palestras aos miúdos do IMEL, vou esclarecendo coisas e desmistificando mitos.
4 – E que análise faz desta forma de pensar?
– É verdade que há quem, depois de dar ao jornalismo o que devia, vai à procura de um trabalho mais brando. E também é verdade de aqueles que encontram na assessoria uma casa já arrumada e uma equipa competente, se calhar, se sintam mais à vontade.
– Mas não foi esse o meu caso, creio que felizmente, tendo em conta o meu modo de ser e de viver.
– Aqui, estou sempre ao serviço, 24 horas por dia. A pressão é tanta que há momentos em que sinto saudade do trabalho em turnos que é vulgar no jornalismo. Fazer uns "kadiengues" no turno de folga, também faz parte da nossa vida, não é verdade? Mas aqui não há horários, nem rotinas. Há sempre algo para fazer que não pode ser adiado. E a adrenalina acaba por ser um vício gostoso…
5 – Pensa um dia voltar a dedicar-se 100% ao jornalismo?
– Se for empurrado para estas circunstâncias volto a 100/%. Tenho pensado que podia fazer uma espécie de part-time. Mas admito que possa um dia trabalhar apenas para não ter filhos a morrer de fome. Acho que o nosso jornalismo, o generalista, se depreciou um pouco. Se calhar os escribas que já foram muito activos, em dizer as coisas tal qual elas são, ficaram sem espaço de manobra. Compreendo que têm filhos e a dor do estômago vazio é maior do que qualquer outra do fórum deontológico ou ético. Basta estar atento ao que se veicula hoje em muitos dos nossos medias e logo se vê que até os destemidos jovens d'outrora perderam a coragem de dizer que "é aquilo que é e não é aquilo que não é".
6 – Que análise faz do estado actual do jornalismo angolano?
– É um jornalismo que se pauta por alguns excessos: de conservadorismo por um lado e também de especulação por outro lado. O ideal seria o centro, um jornalismo virtuoso. Mas pode ser que eu seja apenas um utópico. Estou fora do campo e desconheço como se vive lá dentro. Um jogador diria que sou uma carta fora do baralho…
7 – Em que circunstâncias decidiu mostrar o seu lado de escritor?
– Comecei por escrever pequenos contos e algumas crónicas. Mas os meus colegas do IMEL já diziam que eu tinha queda para crónicas, embora a rádio me tivesse "cortado" a apetência para textos longos (risos). O blog foi o sítio dos meus ensaios, a rampa de lançamento, digamos assim. Os comentários e as críticas motivaram-me a melhorar e depois foi só encontrar quem me ajudasse a sair de uma escrita amadora para literária. Estes grandes kotas foram o José Caetano e o Armando Graça que ainda me apadrinham nesta caminhada. Está agora em fase de revisão "O Relógio do Velho Trinta" e já bato portas para publicar o poemário "10 Encantos" que agradeço, façam chegar o recado a quem quiser apostar em mim.
8 – Até que ponto é verdade a seguinte afirmação: o escrito Soberano Canhanga retrata no personagem Kaúia a pessoa do cidadão Luciano Canhanga.
(Risos)
– Vou re-explicar. O Sonho de Kaúia não é o sonho do Canhanga, nem o Kaúia é o Luciano. Optei por um estilo narrativo que herdei do jornalísmo. A certa altura um amigo meu dizia que "tinha que meter os personagens mais à vontade, a conversarem mais". Há situações narradas de forma pintada que vivi, assisti e outras de ouvir contar, mas narrados sempre na perspectiva de ficção. Nada do que vem narrado no livro é perfeitamente verdadeiro. Usei, com certeza, nomes de pessoas que me são próximas como personagens de factos que nunca viveram ou fizeram. Foi uma forma de as homenagear. Maria é minha mãe e Ferreira o irmão dela. Mas nada do que "lhes meti na boca" fizeram. E tive antes o cuidado de falar com a minha prima e a minha mãe para que não se sentissem mal quando saísse o livro que gostaram imenso.
9 – Depois do Kaúia. Quais os outros desafios no ramo literário?
– "10 Encantos" é um poemário que só precisa de uns USD 5000 para a editora Baixa Chiado de Lisboa poder disparar o tiro na gráfica.
– "O relógio do velho Trinta" está em fase de revisão. Este romance - ficção terá de sair bem maduro e melhor do que o "Sonho de Kaíua". Por isso não tenho pressa em que ele veja a luz.
10 - Jornalismo, Assessoria e Literatura. Quais das profissões melhor atende as suas necessidades socioeconómicas?
(Risos)
– A literatura não me deu sequer um tostão e não sei se algum dia dará. Imagine que até compro os meus próprios livros para oferecer a amigos que pedem encarecidamente.
– O jornalismo fez-me no pequeno homem que sou e sem ele nunca chegaria a candidato a escritor.
– A assessoria abriu-me outros horizontes. Hoje já me tratam por senhor Canhanga ou Dr. Canhanga, título que nego pois apenas sou licenciado. Consegui na assessoria o que nunca teria conseguido onde estava antes. Penso que a questão tenha a ver mais com o patrão do que com a profissão. Há gente da minha leva que vive cinco vezes melhor do que eu e nunca concluíram um curso superior, nem são dos melhores jornalistas da praça. Apenas uma questão de conveniências.
11 – "Casa Própria: Quase Lá". Que mensagem pretende passar?
– Apesar de nunca ter beneficiado de facilidades do patrão, do partido ou do Estado, estou a construir a minha toca.
– Quem frequenta o meu blog, acompanha o esforço que faço e as imagens vão falando por si: pedra sobre pedra até concluir a casa. É possível!
– Termino dizendo aos outros jovens que não adianta esperar pela sorte, que nem todos a têm, ou ficar-se pelos lamentos. É assumindo os desafios que lá se chega!