A Mayamba Editora anuncia o lançamento, na próxima Sexta-feira, dia 17 de Dezembro, no CEFOJOR – Centro de Formação de Jornalistas, do romance O Sonho de Kaúia, de Soberano Canhanga.
A apresentação estará a cargo do mestre em literaturas africanas e docente do ISCED Manuel Muanza.
O Sonho de Kaúia é a história de um jovem de origem humilde que promete ao pai iletrado, antes deste falecer, que seria jornalista. Depois de duro bregar, consegue materializar o sonho. Cumpre-se aqui o velho adágio: querer é poder! Nas sociedades em transição, como a nossa, quando um filho termina os estudos e consegue um emprego, significa ascensão social para toda a família. Kaúia, que também prometera à mãe voltar ao campo para ser caçador, não cumpre a promessa, mas, com os proventos do seu trabalho de jornalista apreciado pela chefia e respeitado pelos colegas de redacção, confere-lhe uma casa condigna para passar a sua velhice. Ao longo das 112 páginas, o personagem Kaúia assume-se como uma voz que verbera os desatinos da sociedade em que vivemos. A sua composição que serve de teste de admissão para a carreira de jornalista é bem revelador da sua capacidade de captar a realidade.
Sobre o Autor
Soberano Canhanga é pseudónimo de Luciano António Canhanga, jornalista, nascido no Libolo, Kwanza-Sul, há 34 anos. O seu sonho era o de se tornar engenheiro mineiro ou agrónomo, mas estudou jornalismo no Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL).
Estudando mais tardem Ensino da História pelo Instituto Superior de Cièncias da Educação (ISCED-Luanda) e em Ciências da Comunicação na Universidade Privada de Angola (UPRA), também de Luanda.
Trabalhou como jornalista na Luanda Antena Comercial – LAC, onde foi editor, e leccionou no ensino geral público, ao mesmo tempo que colaborava, publicando artigos e informações para vários medias angolanos e estrangeiros, com destque para RDP-África e Correio da Manhã, ambos de Portugal, Seminário Económico, Cruzeiro do Sul e Jornal dos Desportos de Angola.
É, desde há cinco anos, respons´vael pela comunicação institucional da Sociedade Mineira de Catoca, Lda.
Contacto do autor telemóvel: 923 55 86 51 Email: ; / contacto da Mayamba: 924 07 90 30.
Um excerto do livro:
Kaúia termina a sua composição, não sabendo ainda qual seria o parecer dos directores do jornal. É que o uso do português, segundo a receita encontrada na gramática de José Maria Relvas, está difícil, mesmo para jornalistas com já muita tarimba.
E esperou, ansioso, no sofá da sala de espera, até que o vigilante, Man-Xaxo, que fora transferido pela Njovoli para aquela empresa jornalística o convidou:
–Sr. Kaúia, o chefe ainda está a chamar. Parece que você vai ficar.
– Sério? – Questionou, num misto de alegria e desconfiança.
– Sim senhor jornalista. Ouvi lá dentro. Discutiram muito. O director-geral Francisco Kitembo a dizer que vale a pena aceitá-lo e o Dr. Adão a negar… Mas a menina Isabel Antonina que fica ali na frente (apontava para o lugar da chefe de redacção) foi chamada a votar e desempatou…
Kaúia levantou-se e, endireitando a gola da camisa que mostrava um pouco de sujidade, provocada por suores mais internos do que externos, apresentou-se ao director Francisco Kitembo que o recebeu com um abraço.
– Estás entre os nossos. Lemos a tua prosa e o teu esforço nos convenceu. Tens três meses de estágio remunerado e já podes assinar. – Sentenciou o director.
– Obrigado, Sô ‘tor101. Obrigado mesmo. Foi sempre o meu sonho. – Agradeceu.
Kaúia conseguiu ter, mesmo sem os processos transitados na Direcção de Recursos Humanos, um assento na redacção, ambiente que lhe parecia meio estranho com homens e mulheres mantendo conversas sem tabus. Parecia-lhe que as senhoras eram todas sem pudor e sem vergonha, abordando assuntos sem filtro. Todos tratando-se por tu…
Os primeiros seis meses de jornalismo deram-lhe as ferramentas práticas que não possuía. Depois foi só deslizar como as águas calmas do Kuanza à jusante. Kaúia tinha uma grande queda para as crónicas e artigos que alegravam os directores Kitembo e Carlitos Adão.
– Uma boa aposta. – Reconheciam, sempre que passassem a pente fino o crescimento de uns e a estagnação de outros jornalistas mais antigos na casa.
– Esse rapaz tem futuro! – Desabafavam vezes sem conta.
Kitembo e Carlitos, amigos desde a infância no Sete e Meio, viam em Kaúia o irmão e companheiro que lhes faltava. Sempre que se recordassem da adolescência notavam a ausência de alguém para preencher o puzzle. Era Kezito, por sinal também amigo de infância de Kaúia, desaparecido nas curvas e contracurvas da vida. E Kaúia, que muito cedo se encaixou naquela dupla de exímios profissionais de imprensa, preencheu a vaga de Kezito, sendo-lhe confiada a página “REGIÕES”, tão logo completou um ano de casa.
Ser repórter e editor da página que fala sobre o estado das províncias e das localidades proporciona-lhe muitas viagens ao interior que aproveita com mestria, fugindo da prisão em que se tornou Luanda, onde as torres engolem todos os dias os campos do trumunu, os parques infantis e os jardins que ainda resistem aos maus-tratos da população. Até os namoros da miudagem perderam a graça doutros tempos. No que se constrói à volta, amplamente difundido como Centralidades, não passa de outras prisões mais apertadas ainda. Eram quarteirões murados e vida privada amplamente vigiada.
– Então meu! Estão a abrir candidaturas para a Zona Leste. Vais aderir ou preferirás continuar no gueto? – Perguntou-lhe certa manhã o director de informação, Carlitos Adão, que já mora no New Life.
Viver no New Life e nas Centralidades dá um novo estatuto social. As camisas normais ganham a companhia dum casaco e gravata, mesmo que conseguidos na zunga. É a nova forma de aparecer e transpirar intelectualidade. Mas Kaúia não é desses complexos.
– Não chefe. Vou remodelar a casa que a velha me deixou no Rangel e investir no campo. Sabe, é lá que ficou o cordão… – Respondeu com convicção.
Mesmo com a vida remendada e frequentando o campo, Kaúia não pôde ir às caçadas e satisfazer a velha promessa feita à mãe na infância, mas conferiu-lhe uma casa em condições e uma velhice tranquila.