Conhecemo-nos na infância, por volta de 1978. Eu com 4 e ele com 3 anos. Juntos nos ensaiamos na pesca à toqueia no riacho junto à casa do avô João dos Santos para aonde nos fomos acomodar depois de meus pais terem abandonado a fazenda Kitumbulo onde vivíamos. A fazenda Israel, que fora gerida pelo avô João dos Santos, era duma outra civilização. Estava mais próxima da estrada asfaltada E120 e na casa de João dos Santos, um assimilado, só se falava o português, hábito herdado do colono recém-corrido e que ainda fazia lei. Augusto dos Santos era neto directo e sendo eu indirecto, nascido duma sobrinha do patriarca da família. O velho era um homem de vários ofícios. Era enfermeiro, costureiro e agricultor.
Vivendo os seus filhos nas cidades do Dondo e Luanda João dos Santos cuidava com bastante apreço dos netos. O Augusto, o Santos e eu. Depois nasceram outros.
Na iniciação, o Augusto (na foto) fora famoso por ter rejubilado num jogo de batota quando depois de ter apostado 10 Kz recebeu de troco 9 Kz, sendo-lhe descontado 1kz. E o Augusto saltitava de emoção por lhe terem sido devolvidas várias moedas… Estava eu na primeira classe, um ano mais adiantado do que ele. Depois fomos à circuncisão cuja escola frequentamos apenas três pessoas, Augusto, um primo nosso e eu.
A nossa separação deu-se em 1983 quando a guerra civil se acentuou. O avô adoeceu e foi levado para a cidade de Luanda onde viria a falecer dias depois. Como se a perda fosse menor, uma doença estranha apossou-se do Augusto e o rapaz perdeu a audição e parte da fala. Embora o pai, António Infeliz dos Santos, vivesse em Luanda, o Augusto e os dois irmãos mais novos (Santos e Quituxi)permaneceram com a mãe, vivendo uma vida que só eles saberiam contar. Quanto a mim, segui em 1984 para Luanda e lá fiquei radicado até hoje.
Daquela data a esta parte, apenas por mais duas ou três vezes nos tínhamos cruzado de forma muito curta, sem podermos trocar mímicas que nos levassem a recordar o nosso passado comum: as nossas brincadeiras em casa e na escola, os mata-bichos da avó Emília, as pescas com cana improvisada e isca de gafanhotos, o medo das injecções que o avô nos aplicava, as roupas que a tia Santa (madrasta dele) nos dava, as boleias no IFA militar do tio Infeliz (pai dele) e doutras coisas.
Encontrei-o desta vez a viver junto da sua tia Maria Canhanga, na aldeia de Pedra Escrita, e no território que compreende a fazenda Israel herdada do pai, um finado tenente-coronel do exército governamental. O Augusto acompanhou-me à QB*, ajudou-me a plantar duas bananeiras, uma laranjeira e um abacateiro. Emocionou-se a ver o campo que eu tinha cultivado à distância e bateu-me no ombro, como fazia antigamente sempre que o acudisse de algum embaraço. Revezando-nos, carregamos ao ombro um cacho de banana-pão e caíram lágrimas na hora da despedida.
_ Primo, assim já vais? – Questionou-me ao ver-me a entrar no carro.
Apenas acenei a cabeça receoso de provocar um banho de lágrimas. Mas quem chorou fui eu!