Translate (tradução)

terça-feira, janeiro 31, 2006

Quem vai ao Partido, Cda. Primeiro?

Quem sobe ao Partido, Cda. 1º?

Em 2003 um pronunciamento do Cda. Presidente sobre o número de militantes do Partido na província de Luanda, cujas cifras se colocavam abaixo de duzentos mil numa urbe que se diz habitada por quatro milhões de almas terá provocado muitos amargos de boca e muitas cabeças terão rolado. Só assim se explica a queda espantosa do veterano sindicalista Vieira Dias que dirigiu sem concorrência o partido na capital por mais de catorze anos. Pois, uma vez disparado o tiro da largada para o “descanso” no sofá da Vila Alice, viria a cortar a meta o conhecido mobilizador de massas Bento Bento, até então, mais conhecido pela rapaziada do partido pela defesa dos interesses do Estado numa Cervejeira.

Realizada a maior corrida no Partido dos camaradas que foi o quinto congresso de seis a dez de Dezembro de 2003, o recado do Presidente tornou-se extensivo às demais províncias, tornando-se o cavalo de batalha em todos os comité o incremento da mobilização. Mobilizar para vencer os próximos desafios.
-Nada de triunfalismos pré-eleitorais, é preciso mobilizar, meus Camaradas! Terá ordenado o Chefe.

De lá para cá, religiosamente, como as testemunhas de Jeová, a evangelização ou melhor a ideologização passou a ser porta a porta. Cães, gatos, feiticeiros, kapuqueiros ladrões e outros que em condições normais, ou seja, no tempo em que “era do partido quem merecia e não quem queria” não teriam acesso sequer à porta. Todos estes foram chamados a engrossar as fileiras e fazer números que tanta falta passaram a fazer quer no Partido, quer na Jota, quer na Oma.

Ao longo destes anos de andança a questão da mistura de batatas podres com batatas boas foi sempre ignorada ou passada para segundo plano.
_Vamos recolhê-los e educá-los a nossa maneira, é a resposta que mais se ouviu e ouve.

Porém, como a sabedoria não mente, está agora o partido e as suas organizações sociais preocupadas com o crescer da delinquência muitas vezes nas barbas das instituições por causa deste ingresso massivo que visou somente encher a ceara do Sr.

Passados três anos desde o grito da evangelização massiva, é chegada a hora da ceifa, ou seja da contabilização um a um dos actuais Camaradas que militam em todas as organizações de base ou intermédias de modo a refazer a estatística há muito conhecida como mentirosa.

A ideia também kabulada pelos demais partidos com sede do poder é agora a palavra-chave. Contabilizar e mobilizar. Chegam de efeméride em efeméride ordens superiores de fichas de inscrição para a duplicação, triplicação, enfim. Dez por semana ou trinta por cada célula ou núcleo.

Se é certo que as fichas estão a ser preenchidas, também é verdade que muitas delas chegam sem fotografias e documentos que certifiquem a existência real da pessoa mencionada. Assim é que aparecem nomes quase bisados do tipo; Adão Manuel Pedro, Manuel Pedro Adão e Pedro ou mais ainda.

Estando em voga em círculos, ainda que restritos, rumores de tais práticas e como nos diz a sábia tradição de que onde há fumo não terá faltado fogo, porque não inspeccionar o curral e agarrar o boi maluco pelos cornos? E mais.

Um dias destes, passando inadvertidamente em frente de um Comité do Partido notei que um grupo de sete ou oito jovens faziam fugir pela janela semi-aberta de uma sala de reuniões perguntas sobre quem subiria ao Partido.

Tendo-me tocado o assunto por ser jovem como eles parei na esquina que dava a uma taberna e ali mesmo decidi matar a sede e a curiosidade. Enquanto sorvia as GTI’s, apercebi-me então de que superiormente se tinha decido a transferência de jovens da Jota ao Partido para reforçar as estatísticas que não respiravam bem. Dizia o informante que os Cotas queriam subir os números e era preciso transferir jovens da organização. Seguia ainda o jovem informador que no princípio eram só aqueles que já tinham os trinta anos e que permaneceriam na Jota apenas na condição de dirigentes, só que agora os Cotas estão a pedir só.

Ouviram-se também expressões como; - “Mas, Cda. eu já falo dupla militância na Jota a no Partido” e outras perguntas como - “eu ainda não trintei como é que vou”.

Embora a discussão deles me tenha custado seis GTI’s não me lembro ter havido um entendimento sobre a eficácia de se transferirem Jovens só para encher os números do Partido já que em termos de eleitores estar-se-ia a falar de mesma coisa. No Parido, na Jota ou na Oma é tudo MPLA.
De que me lembro foi a voz feminina, única do grupo que perguntava se com que estatística ficariam depois da transferência de todos os jovens com ou sem trinta anos.

Terminados os trezentos kuanzas que trazia, parti no meu caminho, já trôpego, com a pergunta da jovem dirigente a perseguir-me até hoje.
-Afinal, quem sobe ao Partido, Camarada Primeiro Secretário?


Por: Soberano Canhanga

quinta-feira, janeiro 26, 2006

10ENCANTO II


Repouso deitado num sofá já velhinho do Hotel Delta Phiramids de Cairo. Estou na região de Gize, lá onde o vento gasta força contra a imponência das três representações do saber secular egípcio. Vim do estádio olímpico da academia militar egípcia onde os Palancas Negras maltrataram no pasto os ferozes Simbas do ex-Zaire.

Na cama partilhada no quarto de Hotel com um quibalista, solto um grito e um chuto que lhe cai bem no cú. Acordo e noto que era um sonho. Exactamente um sonho que contrariava aquilo que tinha acabado de viver minutos atrás. A cama era o acento do autocarro, o quibalista da fiscalização de Luanda tinha sido trocado por um jovem Malanjino, e pior; os Simbas nem deixaram os Palancas pastar.

Como soldados que perdem o comandante, os Palancas que acabei de apoiar e ver a jogar não fizeram senão fartar-se de falhar golos e deixar que os Simbas trocassem a bola sem a devida oposição que se esperava. Notei também que enquanto no lado de lá, no relvado, o pasto se mostrava complicado, no lado de cá, no cimento e plástico, os apoiantes empurravam os já sem força “antílopes” ao prado, mas sem como.

E no fim, bem no fim, quando, depois do intervalo e os Simbas já sem um compagnion, se esperava pela imponência dos antílopes ruminantes, o pastor não fez mais senão insistir na defesa, causando um desespero total entre os apoiantes que só não atravessaram o campo para pôr o Torra e o Makaba no campo por força dos “alicates faraónicos” disfarçados a apoiantes d’Angola.

Do “Ou vencemos, ou quê...” passou-se ao “Oliveira, fora”, entre outros gritos que não impediram o nosso “recolhimento” imediato ao aeroporto de Cairo e posterior “desterro”. É que ficara por se cumprida a missão dos Palancas, enquanto que mesmo cansados e tristes, os excursionistas se gabavam da missão cumprida, tal como os organizadores da tour que tinham prometido mais dois dias em caso de vitória e regresso imediato se o desiderato não fosse atingido.

Já no autocarro da Ghassist, no 4 de Fevereiro, o pedido das centenas de excursionistas a cairo parecia dirigir-se ao “quem de direito” que nesta altura não estará desatento, a quem repasso apenas o que ouvi.
- "Ou lhe troquem, ou quê".
Por: Soberano Canhanga

terça-feira, janeiro 24, 2006

10ENCANTO



1984, Luanda, bairro Rangel. Oiço todos os dias no rádio a canção que fala “sul’africano um dia pagará...” e aguardo que nos venham saldar a dívida e que me atribuam a minha parte. Já desde 1980, ano em que entrei na pré que me ensinam a seguir o exemplo de Ngangula e transformar-me num homem novo. Já conseguiram Incutiram em mim a amizade pelos internacionalistas cubanos e SWAPOS e a odiar os kuachas, o imperialismo e os sul-africanos que têm de nos pagar.
Estou agora na capital, a tão bem falada lá no mato, a menos de um ano. Todos querem vir, pelo menos uma vez, mas nem todos podem, até porque é preciso ter família que te receba e dinheiro para pagar no carro ou nos autocarros da ETIM e ETP.Antes só conhecia a vida na comuna de Cacuaco através do livro de leitura da 2ª classe que fala do Dudú, o Beto, o Tito e a prima deles Ana que é do Úcua. Por isso dizem que sou mbalo, mas é pura mentira, porque no mato já nasci a ver lâmpadas acesas, água na torneira, carros grandes e pequeninos, muitos tractores, asfalto e até mesmo bomba de gasóleo e bares. No Lussussu há o bar do Olímpio, do Miguel Neto e do Falcão, aquele mulato da Vila que nunca mais deu comida no bar dele.
A diferença é que aqui há estradas grandes com luz nos dois lados e filas de carros que não acabam e prédios compridos que quase falam com Deus. Parece que mesmo juntando a Munenga, a vila de Calulo e o Dondo Luanda é maior. Vamos ainda ver.
Cheguei num Oral das Fapla. Um motorista cacimbado trouxe-nos do Dondo, minha mãe, minhas duas irmãs e eu sem parar para descansar. A outra mana que puxa a caçula já está cá há muito tempo com o tio que quis aliviar a mãe do foge- e-regressa de todos os dias.No caminho quando encontrasse-mos macacos ou outro bicho qualquer o motorista das fapla parava um bocadinho para fazer o gosto ao dedo.
-Ra-tá-tá-tá-trá-trá-tá-ta... e pronto.
Ou matava ou não, ficando rodeado pelo fumo da pólvora, enquanto que as balas vomitadas pala kalache procuravam alojamento num corpo qualquer. Uma árvore, um animal distante, um camponês, ou mesmo um kuacha disperso, daqueles que gostam de ir à estrada para queimar os carros e aproveitar a comida do povo.Bala na câmara, mudança no carro, sai a vuzar. Pior ainda quando não conseguisse matar nada de perto. Vontade dele parecia que era atropelar tudo o que lhe atravessasse à frente, só que eram mais o vento e as árvores que se espreguiçavam na estrada que quase nos matavam a visão.
Já aqui em Luanda desde 1 de Maio, dia de feriado dos trabalhadores, não oiço mais os recuas nem avanças das fapla e dos inimigos. Vejo apenas os migs da fapa que passam mais baixos do que no mato e a arder em voo sem cair. Para além dos autocarros tipo jibóia que andam sem descansar do Baleizão ao Nzamba 1 e Condel, passando pela Cáritas e Mutamba, também conheci novos amigos. Todos eles cacimbados. O Mingo tem oito anos e já fuma kangonha. O Nando aleijado, filho do Madureira bebe kapuca. O Raimundo parece que é bandido do México. Gosta muito de andar com uma faca no bolso e de receber dinheiro aos miúdos que vão à praça. Ontem mesmo lhe bateram porque espetou uma kibiona numa mana que estava a vender sabão cocó no kalissange. Aos sábados quando o comboio de Malanje chega, os miúdos todos da rua e do beco 1, gostam de levar-me à estação dos musseques para me ensinarem a magoelar e a destacar do comboio ou ainda roubar kissungo de cana às tias que estão ‘mbora atrapalhadas.
Estamos agora em Dezembro. Todo o mundo daqui está de férias. Nas lojas do povo há muita comida e também muita luta para ter géneros. Dizem que é o mês da guerra. Fazem muitos tiros contra ninguém e toda a gente se esconde debaixo das camas para não apanhar um tiro disperso.
Hoje, dia 24, todas as casas viraram padarias. Micates, bolos, broas e outros mambos que ainda não lhes conheço os nomes é só comer. Em cada casa, é só passar em frente para ouvir a chamada.-Pioneiro, filho da mana fulana, toma! É bom. Estou a passar assim o meu primeiro dia de fartura. Filhos de caluandas e de recuas, em Dezembro, na hora do natal, parecem todos iguais. Festa como essa, tive apenas quando passei da pré-kabunga para a primeira classe com o pai ainda em vida. Só que não vi quase nada porque me deram maluvu e dormi cedo. Quem se fartou foi a minha família que festejou noite fora. Só que aqui na capital é diferente. A festa é colectiva. Todos têm géneros e fazem as mesmas comidas. Até as donas de Catete ficam com favor e já não mandam mais tomar banho e pôr roupa da escola na hora de assistir ao Robim dos bosques ou D. Quixote na TPA. Se assim continuar, vou mesmo dizer que Luanda é cuiosa.

***
Agora que está a ficar escuro, vou já dormir. Não tarda, a mãe já me disse que é hoje o dia do kibulo....
-Rá-tá-tá-tá-tá-trá...trá..trá. crá-crá. Bum! Bum-bum! Cá-cá-cá. Crácrá-cá.
Céus! O espaço está todo avermelhado de balas incendiárias. Acordo medroso e banhado de mijo. A mãe puxou-me para debaixo da cama. As baratas agitam-se e fazem-me companhia ao lado do bacio enquanto a mãe e as minhas duas irmãs mais novas procuram refúgio debaixo duma velha mesa, já sem cadeiras.
Apesar do susto, puxo na memória a veterania que conservo de me esconder das balas perdidas. De repente, vieram recordações frescas do ataque a Munenga, em Fevereiro, quando o falar umbundu e o francês do meu mano Arnaldo nos salvaram do rapto. Os atacantes indicaram-me para a alvorada porque era o único que já estudava a terceira e sabia ler e escrever uma carta. O Mano que falou francês com o chefe dos inimigos, que tinha botas castanhas e patente de primeiro-tenente, foi indicado para a jura onde também nunca ficou. Lembrei-me então que estávamos num kibidi em plena Luanda. E como se estivesse na viagem dos meus pensamentos a mãe fez-me o sinal de aprovação e enfiei mais ainda a cabeça ao fundo da cama para evitar que uma perdida qualquer me atingisse dos céus.
A minha coragem só foi cortada pela rajada curta largada atrás da casa.
-Rá-tá-tá-tá-tá.
Alguém debaixo da mesa pôs um peido. Era para mim o último suspiro de quem tinha perdido uma batalha, mas não chorei ainda. Preferi esperar que terminasse a guerra. Felizmente ninguém se magoou era apenas o medo.
De repente, a rua antes deserta encheu-se de gente, como no assalto às casas do povo depois da vitória do inimigo e recuo das fapla. Camaradas e vizinhos de todos os becos e ruas trocavam beijos e abraços.
-Epá, chegamos lá. É natal, boas festas pá!
Muitos saíam de casa com as canecas repletas de vinho ou Cuca e Nocal e serviam partilhando com os outros, que diziam apenas igualmente obrigado. A Eka estava difícil devido aos ataques na estrada de Maria Teresa.A emoção vivida na rua, sem igual ao longo da minha capitalização, puxou-me da toca e perguntei bem alto se a guerra tinha acabado, ao que a mãe respondeu:
_Não é guerra. É festa de natal, meu filho.
-Afinal aqui é assim?
_Sim Felito, dorme já.
Tentei o sono, mas foi novamente difícil, pois vieram recordações do enfermeiro Mateteu que vendia kapuka misturada com álcool etílico roubado do hospital e combustível paraaviões que meteu muitos kotas cegos até hoje. Dizem que é por causa da bebida que era pouca na quadra festiva.

Por: Soberano Canhanga