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terça-feira, outubro 15, 2024

VISITA GUIADA A MASSANGANO

Massangano chama-te!

Uma das razões dos fins-de-semana prolongados ou pontes, quando o dia de feriado calha quinta ou terça-feira é fomentar o turismo interno. Dezassete de Setembro, Dia do Herói Nacional, calhou numa terça-feira e, por isso, as famílias tiveram os dias de sábado, domingo, segunda e terça-feira para descansar e desfrutar.

Para quem trafega no sentido Luanda-Dondo, EN 230, a antiga vila de Massangano fica no lado direito, faltando 25 quilómetros para se chegar à velha cidade do Dongo. Do desvio (ainda em terra batida, todavia já devidamente terraplenada) são apenas 25 quilómetros até se chegar à margem do majestoso Rio Kwanza que se espreguiça na sua calma viagem ao Atlântico. Aqui, numa elevação atalaia, chegou Paulo Dias de Novais, no séc. XVI, estabelecendo a primeira Câmara Municipal do Primeiro Governo Português em Terras Angolanas. Um dos empecilhos ao turismo interno é (ainda) a falta de serviços associados como restaurantes, acomodação, guias turísticos competentes e comprometidos e lojas de conveniência onde se possa adquirir lembranças.

Massangano tem recebido alguns turistas nacionais e internacionais com destaque para família Tucker dos UA (cuja origem é angolana) que, depois de alimentarem os olhos e a mente com conhecimentos sobre os primórdios da presença portuguesa em Angola e o tráfico de escravos, acabam por se retirar por falta de serviços de apoio ao turista.

Tino Cardona, um jovem forasteiro (benguelense) quer que "os turistas venham e permaneçam", está a erguer, bloco a bloco, assim como "grão a grão a galinha enche o papo", um resort que vai impulsionar o turismo no futuro município.
"Já faltou mais e o Resort está a ser equipado com bungalows, quartos normais, esplanada e restaurante", diz, confiante, Tino Cardona, que conheceu Massangano por via do escutismo e turismo religioso.
A partir de Janeiro de 2025, a comuna de Massangano passa a município, desmembrando-se de Kambambe e, ao chegar à sede, quem o vai receber (daqui a alguns meses) será a instalação turístico-hoteleira do Tino. 

_ As obras decorrem bem e já há cinco quartos prontos" de muitos outros por concluir. _ Explicou o investidor.

Uma vez confirmado o estatuto de município, Massangano (que, ao ganhar novo estatuto, devia ter o topónimo ajustado à sua etimologia e semântica) poderá ter uma câmara municipal e um edil, numa situação de termos autarquias.

Metros à frente, começa o conjunto de escombros que guardam a história de Massangano. 

_ À direita, está o que foi tribunal e casa de reclusão. Se viras novamente à direita, encontras as ruínas do que foi a cadeia. Tinha celas subterrâneas. _ Desta vez o narrador é o administrador comunal adjunto de Massangano.

Ao lado esquerdo (a entrar), está o edifício que foi a casa do governador Paulo Dias de Novais. "Mais tarde, serviu de casa dos sipaios", explica Carlos Ângelo Cacoba, administrador comunal adjunto. Depois, está a esquadra da polícia e a sede da administração comunal que vai ser elevada a municipal, já em Janeiro de 2025. As ruínas da antiga Câmara Municipal, século XVI, ficam depois da actual administração. Apar da igreja são os únicos edifícios com utilidade diária e permanente. A antiga Câmara Municipal fica antes da Fortaleza. Mais adiante vê-se a igreja católica e, trezentos metros à frente, seguindo o caminho do Kwanza em direcção ao Atlântico, está o que foi a Praça de Escravos

"Aqui eram avaliados e comercializados como objectos. Os aptos para qualquer transação eram, depois, baptizados na igreja onde recebiam um nome e embarcados, rio abaixo, até ao que é hoje o Museu da Escravatura, seguindo para as Américas e outros destinos". Mas, sobre Massangano não é tudo. O nosso cicerone conta que havia um forno e mostrou o caminho.

"Nele eram jogados os indivíduos sem valor comercial, doentes, inválidos, deficientes, etc. Estes eram jogados no forno como se de leitões se tratassem", conta Carlos Cacoba, possuído de comoção pelos infelizes.

As ruas de Massangano eram iluminadas a candeeiros. Os postes construídos emmpedra onde eram afixados os candeeiros a azeite torcida mantêm-se hirtos e gritam aos ventos e aos que passam a história sobre o seu desempenho e serventia.

Outros espaços que continham casas do tempo áureo da localidade estão em desaparição, podendo ser vistos poucos outros escombros e ou bases "escondidas" entre os casebres dos actuais moradores, feitos a base de pau-a-pique, barreadas e cobertas de chapas de zinco ou folhas de palmeiras. Outras casotas são de adobe (tijolo de terra bruta sem cozimento em forno). Há, porém, um detalhe: todas as casotas de Massangano têm energia eléctrica e podem ser vistos também alguns fontanários. 

Tendo conhecimento de edifícios seculares reabilitados na Europa e notado o estado de depreciação avançada que apresentam os sobrados de Massangano e outras ruínas históricas espalhadas pelo país, uma pergunta me persegue: existirá alguma disposição legal que impeça a reconstrução de ruínas históricas como as de Massangano?

Ora, reza a história que Massangano foi, na verdade, a primeira Câmara Municipal, a primeira sede de governo portuga no território Ngola que evoluiu para Angola. Paulo Dias de Novais foi o primeiro governador português a chegar a Angola e tinha como principais acções explorar os recursos naturais e promover o tráfico negreiro (escravatura), formando um mercado exclusivo de escravos.

Novais obteve do rei D. Sebastião (1568-1578) uma Carta de Doação (1571), que lhe dava o título de "Governador e Capitão-Mor, conquistador e povoador do Reino de Sebaste na Conquista da Etiópia ou Guiné Inferior", nome pelo qual a região de Angola era então conhecida, ou simplesmente Capitão-Governador Donatário. Partiu de Lisboa em 23 de Outubro de 1574 e desembarcou na chamada Ilha das Cabras (actual Ilha de Luanda) a 11 de Fevereiro de 1575. Na ilha já existiam cerca de sete povoados e Novais encontrou sete embarcações fundeadas e cerca de quarenta portugueses estabelecidos, enriquecidos com o comércio negreiro, ali refugiados dos Jagas. Acredita-se que já estivessem ali estabelecidos há alguns anos, uma vez que na ilha também existia uma igreja e um padre.

Estabelecendo-se na Ilha das Cabras, Novais recebeu uma embaixada do rei Ngola Kilwanje Kya Samba (29 de Junho de 1576), recebendo a permissão deste para se mudar para terra firme, para o antigo morro de São Paulo, onde fundou a povoação de São Paulo de Loanda.

Pelos termos da Carta de Doação recebida, Novais deveria expandir o território para Norte até às margens do rio Dande (Bengo), para o Sul, e para o interior ao longo do curso do rio Kwanza. Tinha ainda a obrigação de construir uma igreja, fortalezas e de doar sesmarias, para assentamento dos colonos. Partiu em direção às terras do Ndongo, em busca das lendárias minas de prata de Kambambe, avançando pelo vale do Kwanza até à sua confluência com o rio Lukala, onde (perto dela num terreno alteado que permitia visualizar qualquer embarcação que circulasse nos dois sentidos do rio) fundou a vila de Nossa Senhora da Vitória de Massangano, em 1583.

Novais faleceu em Massangano, em 1589, aos   79 anos, e lá foi sepultado, defronte da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em túmulo de pedra. As suas cinzas foram mais tarde transladadas para a Igreja dos Jesuítas em Luanda, pelo Governador Bento Banha Cardoso, em 1609.

Terminando como começámos esta "visita descritiva", a primeira Câmara Municipal de Angola pode ser restaurada, depois de 2025.

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Texto publicado pelo Jornal de Angola de 22.09.2024

terça-feira, outubro 08, 2024

AS CHALADICES DO CHICO "PÉ DE MULETA"

Nasceu magro como palito de vassoura e muito mexido, daqueles a quem a ciência actual chama hiperactivo. A vida dele foi, entretanto, marcada por um incidente que lhe "comeu" metade do pé, sendo a extremidade do pé esquerdo uma ponta que deixa uma marca parecida à de uma muleta no chão arenoso ou húmido em tempo chuvoso.

A aldeia toda apelidou-o de Lufeñeno (palito). Diz-se que a progenitora de Lufeñeno (palito) era consumidora dedicada e a tempo inteiro de destilados, desde tenra mocidade.
Numa noite de kixobo, Kamone, já endiabrada com doses elevadíssimas de makyakya a correr-lhe no sangue, meteu-se à dança de kilata. Quase à hora de os galos iniciarem o canto, a poeira e o álcool juntaram-se ao sono e cansaço. Lufeñeno ainda não balbuciava palavras. Talvez, também embriagado pelos gases alcoolizados soltos pela mãe, nem tempo para choro teve. Ou melhor, a aldeia não foi a tempo de o ouvir a clamar por socorro.
Kamone dormitava desavisada junto à fogueira. Era a guardiã, apesar da bebedice, da fogueira comunitária, onde todas as manhãs se alimentavam os fogos de todas as casas. Num gesto inexplicado, um dos pés de Lufeñeno foi parar ao lume. O resto, só vendo o resultado que faz os jovens mais atrevidos e lyambados deste tempo tratarem o senhor, quase cinquentão, por kota Chico Pé de Muleta. O nome dele de Lufeñeno quase que não se ouve mais na aldeia de Kimbilima.
Bem, estávamos num óbito. Lufeñeno e eu temos irmãos comuns. Eu pelo lado paterno e ele pelo materno. É assim quando as relações se desfazem e cada ex-integrante forma outro par. Lá em Kimbilima e no Kuteka tratamo-nos como manos.
Os cientistas dizem que a formação da consciência do homem demanda duas heranças: a biológica e a social. As percentagens que me passaram do in ao id estão nos livros e no telefone com internet. Voltemos ao Lufuñeno que herdou a copofonia da falecida mãe. A propósito, a kasule do meu pai, vendo Lufeñeno, com aquela sua perna de pé cortado a beber como se o amanhã não existisse mais, teve de soltar um desabafo malicioso.
_ O papá mesmo não tinha sorte de arranjar mulher!
Pena é que o sô António Chico pereceu em 1982 e não temos como tirar-lhe explicações.
_ Coitado. E ele não bebia nem fumava. _ Respondeu Kasola a irmã mais velha da Kethanga, a primeira a sentir pena do pai.
E o Lufeñeno começou as suas chaladices convocando os sobrinhos:
_ António, vem prá cá. Domingos, ó sô Lumingu, vem também. O Manuel num fica atrás vêm juntos.
_ É o que então, ti Chico? _ Interrogaram-se algo revoltados, arrastando outras reclamações enquanto se aproximavam a passo de lesma.
_ Esse ti Chico também quando fica xonê é chatinho. _ Atirou o Domingos.
Mas, Lufeñeno tinha uma agenda para aquela noite. Temendo usar da agressão que, às vezes, quando demasiadamente encopado, lhe era característica, os adolescentes ficaram a metro e meio, evitando abeirar-se do tio que começou as perguntas:
_ Aqui, onde estamos, é aonde? Me respondem ainda se vocês são mesmo espertos.
_ É na vila, ti Chico. _ Respondeu o Manuel.
_ E ali, onde estão aquelas luzes?
_ É também na vila, ti Chico. _ Respondeu o António, mantendo-se calado o Domingos.
_ Vocês são burros. Vê lá se ainda não conhecem a cidade. Essas casas de adobes, todas embrulhadas, sem ruas nem quintais, é que estão a dizer que é vila de Kibala? Vocês, quando voltarem à aldeia, não vale apenas se gabarem que foram à sede do município. Na Kibala de verdade ainda não chegaram. Estão a ver aquelas luzes, nê? É ali. Entre Kakungulu e Kibala-Sede ainda tem uma baixa e um rio pelo meio. Ouviram? _ Atirou Chico Pé de Muleta, quase a gritar, fazendo-se ouvir por curiosos e transeuntes.
Os moços lançaram demoradamente os olhos à elevação que libertava luzes e terão posto as cabeças a pensar no que Chico Lufeñeno lhes dissera.
_ Está bem, ti Chico. Já podemos ir?

_ Vão, mas escrevem o que vos disse, seus analfabetos. Vila é lá. Aqui é Kakungulu. Se querem se gabar que estiveram na vila é melhor amanhã pegarem mota e chegarem lá. Estão aqui os vossos tios que vieram da capital. Pedem já. Mota é só cem!

sábado, outubro 05, 2024

ATÉ JÁ, ISMAEL MATEUS!

(Espero que a leves esta carta como meu recado ao chefe que te chama a ir ter com ele, em vez de vir ressuscitado e instalar o seu reino)

Perguntaste-me, certa vez, "se eu era remunerado para escrever tanto para 4 títulos de uma mesma empresa jornalística".

Respondi que "não!". Expliquei-te que a escrita, arte a que me "empurraste", se tinha transformado em escapatória para divertir o jornalista que mora dentro de mim, visto que as funções que exercemos inibem-nos de fazer jornalismo". 

Abanaste a cabeça e soltaste um "se corres por gosto, coragem". Senti a tua mão longa e paternal no meu ombro e mais não disseste, nem com aquele teu sarcasmo. Dias a fio, fiquei a pensar, a pensar no tema que não tínhamos esgotado, mas os assuntos trabalhistas vieram à baila e era a camisola do trabalho que mais se metia à frente.

Ontem mesmo, 30 de Setembro, fiquei a pensar na carta a remeter à tal empresa a que mando crónicas desde 2017. O título seria até já!

 Até já porque nunca me despeço definitivamente de pessoas que posso voltar a ver (nessa ou noutra vida), assim como empregadores (no caso deles) que me possam vir a acolher em caso de necessidades um dia. Durante toda a madrugada, em cada despertar, depois de um sono e sonho mal conseguido, vinha-me à cabeça o até já!

Manhã cedo, levei a tua afilhada ao aeroporto e disse-lhe até já! na despedida. 

Não demorou, a Rádio Nacional, a tua primeira casa jornalística, ligou-me a perguntar se eu sabia do acidente que te subtraiu de nós e se podia negar ou confirmar. Bem gostaria de negar até agora. No mínimo fosse fake new e não te estaria a escrever essa carta.

Que dirás ao Pedro Menezes e aos que se adiantaram neste caminho doloroso, mas irreversível? Que contarei aos mais novos sobre ti?

Ligou-me o Paulo Sérgio, jornalista, a pedir que fale sobre ti Ismael Mateus Sebastião. Disse-lhe que me tinhas encontrado há 26 anos na LAC. Tu, um respeitado e já veterano, com folha feita e livros. Tuas crónicas, "Bue de Bocas", chegavam-me desde rapaz no Toshiba do meu pai, ainda no Lubolu. Depois que vim para Luanda, e na Luanda Antena Comercial, passei ouvir os "Recados para o teu chefe". Longe de te conhecer ainda caralmente, um dia, nem passares a meu mestre, mentor e padrinho. 

Tinha eu dois anos de LAC, em 1999, quando me descobriste de entre muitos. Nunca me disseste porquê, tirando os elogios de coisas bem feitas e a negação, quando te dizia, já adulto, que "tudo o que sou profissionalmente muito se deveu a ti". E dizias: "cala a boca, matuense. Foi tudo por teu esforço e obra". 

Será?!

Tornei-me no jornalista que as pessoas dizem que sou por tua descoberta, pressão, correcção e instrução permanente. Achavas que da "laranja seca" que encontraste naquela redacção podia nascer sumo". Quando te tornaste Secretário-Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, fui a voto e tornei-me delegado sindical na LAC. Depois, implementaste o Conselho de Redacção em que eu era "conselheiro", enquanto editor. 

Por tua sugestão fui à assessoria de imprensa em Catoca. Fazias questão de apelar ao esforço, ao mérito e sugerias pessoas que não te envergonhassem.

Quando criaste a TamodaEditora, inaugurámo-la com o meu "Manongo-Nongo". Em Maio, tentámos o "Lubolu & Arredores" que dizias "vai ser a 'reposição da legalidade'".

Depois de me teres apadrinhado esse tempo todo, informalmente, em várias esferas da vida, testemunhaste ao mundo como meu padrinho de casamento e me dizias: já não és miúdo. Se me chamaste é para teres juízo!

Faltou-me juízo para te deixar partir?

P'ra quê mais "bué de bocas" e tantos parágrafos neste "recado a Zezus", se nem mais te consigo contar um ka-segredo de filho para pai?

Até já, Ismael Mateus!


Post scriptum: 

Iniciei-me como colunista no teu "Cruzeiro do Sul", na primeira década deste século.

Há dois anos, quando lançaste a segunda edição de "Sobras da guerra", exigiste que eu fizesse o prefácio que tive de esboçar durante uma viagem à Espanha e entregue a faltarem minutos para o deadline. Como foste tão exigente e tão bom comigo, Ismael?!

terça-feira, outubro 01, 2024

KIHUTU vs MBUNDI

Quem viaja pela EN120, sentido Ndondo-Kibala-Wambu, encontra, depois do Rio Longa, pessoas a venderem raízes de uma planta que os ambundu chamam "muxili" e os ovimbundu "mbundi".


A seiva desta raiz (não é tubérculo) possui propriedades adoçantes e fermentadoras, sendo usada para a fabricação de garapa, também conhecida como "wala" ou "kis(s)ângwa", e ainda para fermentar o composto destilável de que resulta a "makyakya" ou kaporroto.


Os aldeões põem-se no sertão em buca do arbusto e escavam as suas raízes que usam no seu dia a dia ou para comercializar aos que, tendo abandonado as zonas rurais, não se desfizeram dos hábitos alimentares e das memórias do seu tempo.

Surgem aqui os menos atentos que podem confundir o arbusto cujas raízes é o conhecido "mbundi" ou "muxili" e o "kihutu", possuindo, ambas, folhagens muito parecidas.

O "kihutu" não é mais do que "feijão-maluco" que, quando as folhas secam, pode dar uma dolorosa comichão a quem nelas se encoste.

O "kihutu" foi nossa tortura involuntária nos tempos de infância, sempre que fôssemos à caça de "kambwiji", lebres e pequenos antílopes. A pressa em vigiar e apanhar os animais que fugiam das queimadas, o fumo do capim acabado de arder e a desatenção faziam com que algumas vezes passássemos em território "minado" por este vegetal, resultando em uma comichão e coceira de caçar pulgas.

Se estiveres à procura de "mbundi" ou "muxili", raízes cuja seiva se adiciona ao rolão ou outros componentes para a produção da saborosa kisângwa, tome cuidado! Pode pôr a mão em "kihutu", o feijão-maluco, e sair daí endoidecido de dor. Procure sempre por um mais velho residente permanente e conhecedor da planta. Nunca vá sozinho à mata à procura de qualquer coisa que seja.

Umona akwambila s'ovita! ¹
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1- Uma criança deve acatar conselhos!

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Texto publicado no JE&F de 13 de Setembro 2024

sábado, setembro 28, 2024

O (H)EBO E A HISTÓRIA POR DESVENDAR

O (H)Ebo tem nome inscrito na luta e resistência das nossas FAPLA contra as incursões das forças armadas do regime segregacionista sul-africano, mancomunado com a Unita, que pretendiam impedir a independência de Angola a 11 de novembro de 1975.


O (H)Ebo é uma vila e município do interland kwanza-sulino, "encravado" entre Kibala, Waku Kungu (Sela), Konda, Amboim e Kilenda.
Desde que conheci o (H)Ebo, têm sido frequentes as visitas à vila sede. Nas conversas, os populares têm reclamado o asfalto em direcção ao Waku e Ngabela para aumentar o movimento.
_ O alcatrão parte do Kondé até à vila e não avança. Aqui, quem entra tem que sair pelo mesmo caminho. Não avança. _ Precisam os moradores.
_ A luz passa, mas não pára. _ Acrescentam os munícipes que dizem usar ainda candeeiros a petróleo.
Contam ainda os munícipes que "Hebo foi a vila que mais sofreu às mãos da Unita" que fazia dela sua logística alimentar.
_ Como aqui é nos matuku¹ e o reforço das tropas vindas do Sumbe ou Sétima Região Militar (Benguela) demorava, por falta de estrada asfaltada e minas que metiam nas picadas, eles quase moravam aqui e tudo que a população produzia acabava nas mãos deles. _ Narra Fernando Almeida, 68 anos, acrescentando que "levavam os cabritos, milho, batata, mandioca e até frutas nas árvores, sem pensar se o dono sente fome".
O (H)Ebo tem muitas estórias e história ainda por desvendar e registar.
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1- Esconderijo, entrada sem saída.

domingo, setembro 22, 2024

O HOTEL CUNHA E OUTRAS HISTÓRIAS KIBALENSES POR DESVENDAR

O meu dia (24.08.24) foi marcado por entrevistas exploratórias a jovens e adultos da vila e cercanias de Kibala.

_ Já ouviu falar do Hotel Cunha?
_ E hotel império?
ouviu falar com comandante Kandimba?
As respostas foram nulas. Nem sobre os hotéis que foram apagados da toponímia, nem do lendário Comandante que muitos admiram até hoje.
As instalações que as fotos documentam eram de um hotel que, nas décadas de 40 e 50, era considerado "um dos melhores do Império Português".
O seu proprietário era o patrono da família Cunha, por sinal, avô de José Carlos Cunha "Oca". Há uns dois anos, visitei o Senhor "Oca" na sua fazenda em Kambaw, Kis(s)ongo, Lubolu, e falou-me sobre o hotel que seu avô, de origem portuguesa, erguera na Kibala.
Sendo eu "vasculhador e amante de estórias", meti-me no terreno para saber dos moradores com que fui cruzando, incluindo os ocupantes dos escombros do Hotel Cunha, "o que foram as instalações e que serventia deram à vila?"
Dentre os jovens indagados, ninguém sabia onde ficava o Hotel Cunha, nem do Hotel Império. Uns apenas se lembram das instalações da ETIM¹, também gravemente atingidas em 1984 e em outros ataques subsequentes.
Não há registos na blogosfera e os livros que façam referência aos imóveis supra-mencionados devem ser raros.
Segundo Ana Viana Dos Santos, natural da Kibala, diz que "o Hotel Cunha e o Hotel Império (este último ficava onde estão hoje as antes de telecomunicações) foram destruídos em 1984, 12 de Junho, quando se deu o 1° ataque da Unita à Kibala".
É importante que a história não se apague por completo. Procurei pelo Presidente da ANAKIBALA, Francisco Santos, para conformar as informações prévias.
_ Aqui era o Hotel Cunha, o maior que havia na Kibala. Mais a baixo, onde se acham as antenas, estava o Hotel Império e do outro lado a ETIM.
Francisco Santos levou-me à casa do irmão do Comandante Kandimba e à do "homem de confiança que recuperou a pasta dele, depois de ter tombado em combate". O Pastor Santos, como também é conhecido, levou-me, inclusive, ao que sobra do "tanque de guerra" em que o comandante tombou heroicamente a 13 de Fevereiro de 1993. Ainda perguntei aos jovens das cercanias, se conheciam ou tinham ouvido falar sobre o Comandante Kandimba. O único Kandimba que conhecem é o restaurante que fica na Alameda (rua principal), num edifício estropiado, cujos donos homenagearam o comandante, mas são oriundos do Moxico. Assim vai a nossa história!

Quanto ao futuro do que resta dos escombros do antigo Hotel Cunha, José Carlos Cunha "Oca", diz que "de momento, faltam forças para investir nele". Vi que algumas famílias encontraram nele abrigo, sem que saibam de quem foi, o que foram aquelas minúsculas sobras e quem são os seus herdeiros.

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1- Empresa de Transportes Intermunicipais.

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Publicado pelo Jornal de Angola a 15.09.2024

domingo, setembro 15, 2024

OS OLHOS DA MÃE E A PAIXÃO DO MEU AMIGO

 Passei pela aldeia de Pedra Escrita para ver a mãe Alcinda (24.08.24).

Nas nossas brincadeiras de mãe e filho, ela disse-me que "estava a ver pouco".
_ Mãe, experimenta ainda os meus óculos. _ Disse-lhe.
Depois fizemos uma selfie.
Sinto sempre uma paz interior, uma alegria indescritível quando a visito. É algo como o que deve acontecer aos devotos quando vão ao santuário renovar energias.
Depois, passei pela casa do Faria, meu amigo de infância, que anda muito "apaixonado" pela "água do chefe". Maria, a esposa, quando me viu a vestir-lhe um colete, disse de soslaio:
_ O amigo gosta muito dele. Sempre que passa, entra na aldeia e deixa-lhe uma lembrança. Ele é quem não se gosta e quer entregar a alma ao senhor!

domingo, setembro 08, 2024

O TANQUE DO COMANDANTE KANDIMBA

 Junto à entrada à EN140, que nos leva da Kibala ao Mus(s)ende, há uma rotunda. Olhando para a esquerda, estão dois terrenos devolutos que guardam segredos de uma História ainda por escrever.

A rodovia que liga as localidades de Kibala-Karyangu-Mus(s)ende foi asfaltada na segunda década deste século (XX). Até 2010, era uma sofrível picada de terra batida que nos dirigia à Oeste de Kibala, empestada de minas pessoais e anti-carros implantadas pela Unita.
Na rotunda, as casas e casebres abeiraram-se da rodovia, restando os dois terrenos ainda devolutos em que se acham dois artefactos militares, ou seja, dois tanques de guerra que, para contar a história das agruras por que Kibala passou de 1984 a 2002, se juntam aos edifícios totalmente desaparecidos (a exemplo do Hotel Império), aos escombros dos que foram totalmente dinamitados e destruídos (Hotel Cunha) aos que sofreram destruição parcial ou outros ligeiramente estropiados. Não há edifício que não tenha sofrido nos diversos ataques infligidos à Kibala desde o fatídico 12 de Junho de 1984, data do primeiro ataque da Unita, a 2002, ano da proclamação da paz que vivemos até hoje.
Francisco Pinto, 65 anos feitos em Agosto de 2024, conta que em 1992, depois da desmobilização das FAPLA e criação do que era chamado de "Exército Nacional Único", as FAA, o Batalhão 722 chefiado pelo comandante Kandimba havia sido extinto e o comandante desmobilizado.
"Quando entrámos para as eleições, era comandante da região, pelas FAA, o Cara Podre que não havia sido desmobilizado".
O antigo Oficial Operativo no Batalhão 722 e no "Exército Único" saído dos Acordos de Bicesse, avança que até Novembro de 1992, militantes do MPLA e da Unita ainda coabitavam na vila da Kibala e até diziam que as escaramuças de Luanda não deviam ser replicadas na Kibala. Porém, conta, surpreendentemente a UNITA se retirou para Katofe e começou a bombardear a vila, matando várias pessoas como o professor Smith e sua mãe.
"Eu era amigo pessoal de kandimba. Ainda o aconselhei a ir a Luanda, depois de desmobilizado, mas ele me respondeu que aguentaria mais um pouco".
Tendo em conta a situação criada pela Unita, prossegue Francisco Pinto, o Comandante Kandimba teve de organizar os antigos militares desmobilizados para defender a vilar, só que não conseguiu obter o número desejado, tendo em conta a dispersão e a desmotivação de alguns para uma nova guerra.
"Em Finais de Janeiro de 1993 a Kibala recebeu reforço de tropas vindas do Waku Kungu. Como nem todos se conheciam (os da Kibala e os vindos do Waku) a Unita aproveitou infiltrar-se entre as forças e tomou a Vila, concentrando todo o seu fogo sobre os tanques que já não se movimentavam. O comandante Kandimba estava no primeiro que, embora ainda disparasse, não tinha mobilidade".
Pinto narra ainda que quando foi atingido o tanque tinha esgotado as "salvas" e jura que "Kandimba não foi capturado nem enterrado pelos familiares, pois ele se retirou do local e terá morrido em local incerto".
Um dos dois tanques que se acham na rotunda possui ainda a parte cimeira e o cano. O outro, desintegrado, que conserva apenas o esqueleto central e as esteiras locomotivas é nesse em que, na madrugada do dia 09 de Fevereiro de 1993, segundo Francisco Filipe tombou em combate o comandante Pedro Manuel Biano "Kandimba".

domingo, setembro 01, 2024

O OPERATIVO E O BOMBEIRO

Há coisas que alegram e servem de bálsamo à alma triturada pela negrura da vida de um adulto.

A 13 de Agosto, que não era sexta, mas segunda-feira de um dia nebuloso, quando ia a entrar no local de trabalho, o jovem da empresa de segurança, comummente tratados por "operativo", pediu desculpas por algo que eu não sabia e nem imaginava e parou-me.
_ Desculpa, Director. Você é diferente dos seus colegas. Cumprimenta toda a gente, cumpre os procedimentos e trata-nos como se também trabalhássemos aqui. Há muito tenho pensado em dizer-lhe isso. Continue essa pessoa, meu Director- Disse o jovem, mais ou menos 25 anos, quase em sentido como se estivesse a fazer continência.
Sorri para ele. Vinha cansado e preocupado com os entregáveis e os recebíveis atrasados. Dei-lhe um abraço e agradeci-lhe pelo feedback.
No dia seguinte, ia a caminhar da Agência bancária ao Minagrif. À porta do Quartel Principal de Bombeiros de Luanda, ouvi uma voz. Alguém que me vira e tentando recordar-se de mim, ia chamando:
_ Kota, professor!
Sabendo que já estive à frente e ao lado de muitos alunos e estudantes, virei para ver se era eu o visado. O jovem lembrou-se do meu nome.
_ Professor Luciano, sou o Osvaldo Inglês. Fui seu aluno.
Estendi-lhe a mão. Já não era o Vado. Eu sempre o tratei por Inglês. Ele e as duas irmãs. Era um senhor Osvaldo Inglês à frente de mim
_ O senhor foi bom professor e só se lembrava dos mais barras e dos mais fracos, puxando por ambos. O professor já está mesmo kota.
_ Sim, Osvaldo. Já são 50 anos.
O Osvaldo explicou que ainda vive no Rangel e é motorista nos Bombeiros do Cazenga. Era um aluno brilhante. Ombreava com a Maristela (filha do Pedro Montana), o Anselmo Arcanjo Arcanjo, o Guinho Luciano e o Jandir que é sobrinho do Eduardo Costa. Eu só nomeava delegado de turma o mais "barra" de cada classe.

quarta-feira, agosto 28, 2024

QUEM FOI O COMANDANTE KANDIMBA?

 (Tentativa de descrição dos feitos do militar Pedro Manuel Biano)

"Kandimba toka, ombonge itunda yangu!"¹
Ainda se canta em Kibala e arredores (até mesmo em Luanda), reflectindo a saudade e reconhecendo a valentia deste insigne filho de Angola que a memória colectiva deve preservar e honrar.
Este exercício visa recolher depoimentos de pessoas que estiveram perto dele, familiares, amigos, companheiros e camaradas nas gloriosas FAPLA, cidadãos do Kwanza-Sul e de Angola que coheceram o lendário Pedro Manuel Biano "Kandimba", ao que se diz "comandante do 2° batalhão da Brigada 150 e, posteriormente, comandante do Batalhão 722 (desmobilizado ao abrigo dos acordos de Bicesse com a patente de Major)", actuando na Kibala e municípios circunvizinhos.

= DEPOIMENTOS=

(i) António Pinheiro "Folhas Caídas", integrante do Posto Comando Avançado da 7ª Região Político-Militar no Waku Kungu: descreve Kandimba como "um amigo pessoal e companheiro de arma".
Segundo Folhas Caídas, Pedro Manuel Biano era filho de Biano Kutatala e Nzamba Kitumba (Nzamb'Etumba), tendo nascido na aldeia de Galileia, regedoria de Kitangeleka, comuna da Sanga, município da Cela. "Esteve comigo em várias frentes. teve como esposas as senhoras Maria Manuel, Kilakhata e Cecília. Essa última suicidou-se com a arma pessoal do comandante, na vila de Kibala, nos anos oitenta".
Segundo Folhas Caídas, Pedro Biano ganhou a alcunha de Kandimba devido a sua sagacidade, na infância, tendo em conta que era filho e seguidor dos passos do seu pai que era um exímio caçador.
"Foi o senhor Fifas, um português, empregado da fazenda do senhor João Simão Nabiças (na região de Sanga) que o nomeou Kandimba".
Acrescenta que Kandimba ingressou nas FAPLA via ODP (Organização de Defesa Popular) na aldeia de Kitangeleka. "Entre os anos de 1979 ou 1980, face a adaptação das FAPLA vindas da guerrilha à Exército Convencional, houve a necessidade de se criar a brigada 150. Ele foi seleccionado para o Regimento Militar de Katofe onde recebeu instrução militar e passou de ODP a militar regular da Brigada comandada pelo 1º Tenente Neves Ferreira. Kandimba comandou o 3ª Batalhão da Brigada 150 e, com a posterior criação dos batalhões territoriais para conter os ataques da Unita às sedes municipais, foi criado o Batalhão 722 que ficou estacionado na Kibala, sob comando de Kandimba, dependendo da 7ª Região Político-Militar (Benguela) e com um Posto de Comando Avançado (PCA) na Cela, comandado pelo Capitão Luciano Pereira".
Hoje, oficial Superior da Polícia Nacional, António Pinheiro "Folhas Caídas" explica que Kandimba actuou no triângulo Kibala-Hebo-Waku-Kungu, onde, por outro lado a Unita operava com colunas fortes como Salva Terra, Mwangay, Negritude e Grito do Povo.
"Lembro uma missão que havíamos recebido do General Armando da Cruz Neto (Chefe da 7º Região), juntando o batalhão do comandante Kandimba, do comandante Joaquim José Lunga "Cara Podre" e outras forças para desmantelar uma base da Unita em Kas)s)onge e que não correu como previsto. "Kandimba ficou ferido e tive de organizar uma ambulância para o levar ao Hospital da Região, mas ele preferiu ser levado ao soba da aldeia da Sanga para um tratamento caseiro.
Folhas Caídas diz que "Kandimba era um comandante que se impunha e que era respeitado, mas como homem também teve suas fraquezas (pouco conhecidas pelos civis).
"Quando o Chefe-de-Estado Maior, General França Ndalu e o Comandante da 7ª Região, Armando da Cruz Neto, decidiram mover a Brigada 150 para o Kwemba, Kandimba rejeitou e foram movidos à força para o Bié, de onde ele desertou temporariamente (fixando-se em Luanda), tendo sido punido e regressado, tempo depois à Kibala onde organizou o Batalhão 722. Nessa altura eu também fui movido da Cela para a Frente Centro, no Huambo", conta Folhas Caídas.

Sobre os últimos dias de Kandimba, Pinheiro diz: Um dos factos que me marcou foi em 1992. Estávamos ambos desmobilizados, à luz dos Acordos de Bicesse. Depois da negação dos resultados eleitorais a UNITA, praticamente, ocupou a vila de Kibala. Ele convidou-me para atacar as FALA e eu discordei dele, porque o inimigo estava em maior número. Ele entendeu mobilizar efectivos desmobilizados e os atacou. Conseguiu expulsar o inimigo da vila, porém, as FALA reagruparam-se, fizeram um contra-ataque e ele tombou em combate. Dois dias antes, conversámos. Ainda me chamou nomes como cobarde...

(ii) António Ferreira, Ex-Comissário Político do Batalhão 722, corrobora a versão de Folhas Caídas, quanto ao período e episódios que antecedram a criação do batalhão 722, embora diga que "foi a pedido doas sobas que estavam fartos das faltas de respeito da Unita". A propósito, Folhas caídas diz que participou da redacção do manifesto enviado ao Comissário Provincial, e deste ao Comando da Região Militar, alegando "ser pedido da população da Kibala", o que possibilitou a sua soltura da cadeia em que se encontrava após deserção. António Ferreira confirma ainda as informações prestadas por Pedro Muhongo (vide abaixo), sobre o trajecto da 150 BIL "até Kwemba e Munyangu (Munhango)".
(iii) Lino Guimarães Fernando, ex-soldado do 2º Pelotão da 8ª Companhia do Batalhão 722, com a função de activista político do pelotão: "Pedro Manuel Biano 'Kandimba' foi Comandante do Batalhão 722, pertencente à 7ª Região Político-Militar que tinha o seu comando regional em Benguela, comandada pelo general Armando da Cruz Neto 'Maluco'.
Kandimba gostava de ter a sua tropa bem disciplinada e os indisciplinados eram repudiados e castigados. Para organizar e disciplinar a tropa, tinha o seguinte slogan, 'nós somos cerca de 3000 homens. Eu prefiro ter 300 organizados a 3000 desorganizados'.
Ele descrevia a sigla FAPLA como 'Foram Armados Pelo Povo Para Libertar Angola'. Kandimba era muito rigoroso no cumprimento das missões que ordenava e as que ele próprio cumpria, esperando sempre por resultados positivos e nunca a derrota. A sua residência oficial era na rua em que ficavam as antigas instalações da Segurança do Estado, na vila da Kibala.
Operava normalmente com as primeiras três companhias do Batalhão 722, nomeadamente, 1ª, 2ª e 3ª, que ele considerava sua tropa de elite. O sargento-maior Evaristo José Bernardo, 'Xiña Wanga', da 3ª Companhia, era um dos seus estrategas nas grandes operações e dos seus principais seguidores.
Combateu no município da Kibala e, sempre que fosse requerida a sua intervenção, nos circunvizinhos da Gabela, Libolo, Hebo, Kondé, Waku Kungu, entre outros. Era muito respeitador da população e não gostava de escutar que um soldado das FAPLA maltratou ou retirou haveres de um popular.
Em meados de 1987, o 1º Pelotão da 8ª Companhia do Batalhão 722, que era comandado pelo seu irmão mais novo José Biano, destacado na montanha próxima ao bairro Kakata, depois do bairro Kapezo, foi atacado pelas Unita, tendo o chefe do pelotão perdido a sua arma de fogo do tipo a AKM. Em função deste acontecimento decidiu retirar toda 8º Companhia que se encontrava destacada na protecção da via Luanda-Huambo, incluindo nós que estávamos destacados na montanha junto às antigas bombas de combustível da Shell, para o comando do Batalhão 722 na sede municipal da Kibala, e destacado na Fortaleza.
A 18 de Dezembro de 1987, foi-nos incumbida uma operação militar, entrando pela comuna do Ndala Kaxibo, tendo o comandante Kandimba, dito ao seu irmão menor José Biano, em plena parada o seguinte: Deixaste o inimigo levar a tua arma. Não te darei mais arma. Avisei-te para ficares a cuidar da nossa mãe porque eu já sou militar, mas não aceitaste. Agora tu é que sabes se levas pedras ou cassete. Fomos com nosso colega desarmando e regressámos da missão no dia 27 de Dezembro.

(iv) José Kassola: Ele nasceu no Waku, na fronteira entre o Waku Kungo e Kibala. O irmão do Senhor Beto Kadaff, foi Motorista do comandante Kandimba. Lembro quando o Sr. Biano foi atropelado pelo seu próprio motorista que era primo dele. O homem carregava na Land Rover prisioneiros feridos da unita que seriam levados num helicóptero vindo comando da Região, em Benguela. Esteve presente o Comandante Seteko da 7ª Região. O Comandante Pedro Manuel Biano quase morria naquele incidente. O primo motorista aproximava-se do helicóptero para descarregar os soldados da UNITA feridos e capturados, para serem transferido para a Sétima Região. Ele sentiu medo das hélices, fez marcha atrás, sem olhar o Comandante Kandimba que estava a conversar com o Comandante Seteko. Pimbas! Caiu atropelado. Os óculos partiram e o Comandante Seteko levantou o Kandimba já com os olhos vermelhos.
A outra cena de que me lembro foi numa das efemérides, ou seja, feriado do Partido (MPLA), realizado às 12h00 horas, em que Kandimba quase seria capturado na Vila, mas avisou os demais chefes do Partido MPLA para que deixassem o espaço o mais rápido possível. Ele saiu sem que ninguém o visse e depois começou o fogo da UNITA dentro do recinto da festa. Ali tombou o 1° Secretário da JMPLA da Kibala, o jovem Felizardo.

(v) Pedro Muhongo: Convivi com ele de 1983 a 1986. Conheci-o na tropa, isto em Katofe (Kibala) no Regimento de Tropas Cubanas, quando foi submetido ao curso intensivo de comandante de tropas, no âmbito de correlação de forças no teatro das operações, função que já vinha desempenhando há vários anos. Estamos lembrados que a década de 80 (séc. XX) foi a época mais difícil no país para quem integrou as FAPLA. Observamos quão era difícil a situação. Essa formação visava a criação de uma unidade específica, moderna e adequada, com efectivos capazes à altura dos desafios que a situação impunha. A unidade de combate foi criada em Agosto de 1983 e, se a memória não me atraiçoa, chamava -se (na altura) 150 BIL (Centésima Quinquagésima Brigada de Infantaria Ligeira) de onde Kandimba viria a ser comandante do 3° Batalhão ora criado e ostentava o grau militar de 2° Tenente, resultante da formação recebida. Aí o conheci e seguiu-se uma vida militar intensa. Eu fazia parte da 150 BI), mas numa sub-unidade do Comando da Brigada e com frequência era chamado ao apoio do Batalhão comandado por Kandimba.
Por razões de várias missões chamados a cumprir, entre 1985, a 150 BIL foi movimenta para Malanje (9° Região Político Militar), passando por Kalulu, depois pelo Kis(s)ongo, caminhando para a região militar das FALA (forças da UNITA) chamada 93 RM, localizada no planalto (entre Kuanza-Sul e Bié), abrangendo o corredor de Kalus(s)inga, depois rumando para Malanje, mas feito o trajecto na Kitúbya, Luso, Gango, em direcção ao Povo do Hako, Kyenha, passando na Kipumba, caminhando até às margens do gigante Rio Kwanza. Na altura a barragem de Kapanda estava no início da sua construção. Aí transpusemos a margem contrária do Rio Kwanza, seguindo para Pungo a Ndongo, Kakuzu e cidade de Malanje. As missões continuaram na província de Malanje, depois para município de Kunda Dyabase, passando por Kakulama, Kela e às áreas da Baixa de Kas(s)anje. Em Janeiro de 1986, atingimos a localidade de Kafunfo e Kas(s)anje Kalukala. Aí o Kandimba ficou doente (meados de Janeiro de 1986) e foi levado ao hospital da Região Militar na cidade de Malanje. Depois que a saúde dele se restabeleceu, beneficiou de uma licença disciplinar (férias) para a terra natal (Kibala). De lá já não mais regressou ao Comando do seu Batalhão e na Kibala criou o batalhão 722, que comandou até 1992 ao abrigo dos acordos de paz para Angola (Bicesse).

(vi) Francisco Pinto, 65 anos feitos em Agosto de 2024, conta que em 1992, depois da desmobilização das FAPLA e criação do que era chamado de "Exército Nacional Único", as FAA, o Batalhão 772, organizado e chefiado pelo comandante Kandimba, havia sido extinto e o comandante desmobilizado com a patente de Major.
"Depois das eleições, era comandante da região, pelas FAA, o Cara Podre que não havia sido desmobilizado".
O antigo Oficial Operativo no Batalhão 722 e no "Exército Único" saído dos Acordos de Bicesse, avança que até Novembro de 1992, militantes do MPLA e da Unita ainda coabitavam na vila da Kibala e até diziam que "as escaramuças de Luanda não deviam ser replicadas na Kibala". Porém, conta, surpreendentemente, a UNITA retirou-se para Katofe e começou a bombardear a vila, matando várias pessoas como o professor Smith e sua mãe.
"Eu era amigo pessoal de kandimba. Ainda o aconselhei a ir a Luanda, depois de desmobilizado, mas ele me respondeu que aguentaria mais um pouco".
Tendo em conta a situação criada pela Unita, prossegue Francisco Pinto, o Comandante Kandimba teve de organizar os antigos militares desmobilizados para defender a vilar, só que não conseguiu obter o número desejado, tendo em conta a dispersão e a desmotivação de alguns para uma nova guerra.
"Em Finais de Janeiro de 1993 a Kibala recebeu reforço de tropas vindas do Waku Kungu. Como nem todos se conheciam (os da Kibala e os vindos do Waku) a Unita aproveitou infiltrar-se entre as forças e tomou a Vila. A Unita concentrou todo o seu fogo sobre os tanques e o comandante Kandimba estava no primeiro que, embora ainda disparasse, não tinha mobilidade".
Pinto narra ainda que quando foi atingido o tanque tinha esgotado as "salvas" e jura que "Kandimba não foi capturado nem enterrado pelos familiares, pois ele se retirou do local e terá morrido em local incerto".
Um dos dois tanques que se acham na rotunda (à entrada da EN 140 que nos leva a Karyangu) possui ainda a parte cimeira e o cano. O outro, desintegrado, que conserva apenas o esqueleto central e as esteiras locomotivas é nesse em que, na madrugada do dia 09 de Fevereiro de 1993, segundo Francisco Filipe tombou em combate o comandante Pedro Manuel Biano "Kandimba".
O sepultamento de Kandimba é um enigma. A respeito, Muhongo diz que seria importante perguntar aos padres que enterraram os corpos não reclamados e aferir se o do comandante estava entre estes, mas, acrescenta, que "ele mesmo dizia que quando morresse o seu corpo nunca seria enterrado".
(vii) Filipe Albino: Tombou em combate na madrugada do dia 13 Fevereiro de 1993, na Kibala.

(viii) Tiago Phande, 62 anos, ex-militar natural e residente na Kibala, narra que foi professor e incorporado em 1982 na ODP, em Mukitixi, integrando o Batalhão Interno (BI) constituído por trabalhadores da Fazenda que tinham sido desmobilizados das FAPLA. Atesta que quando Kandimba formou o Batalhão 722, o BI já existia. Acrescenta que a 12 de Junho, quando se dá o primeiro ataque da UNITA à Kibala, a Brigada 150 encontrava-se em operações militares na região de Ndal'Axipo (Dala Caxibo), ficando na vila apenas a ODP e o CPPA (polícia). A Brigada teve de regressar para desalojar a UNITA.
"Foi nesse primeiro ataque que foram dinamitados e destruídos muitos edifícios da kibala", conta, algo revoltado.
Tiago Phande confirma o relato de Folhas Caídas (António Pinheiro) sobre a deserção de Kandimba do Munyangu e sua prisão punitiva. "Isso aconteceu em 1986 quando a Brigada 150 em que ele era chefe de um Batalhão foi movida para o Bié".
Sobre os últimos anos do comandante Kandimba, Tiago afirma que "em 1993, a tropa estava desmobilizada, incluindo o próprio comandante Kandimba. Aproveitando-se da situação, a Unita, que nunca se desarmou, ocupou a Kibala e o comandante teve de reorganizar os ex-FAPLA que estavam disponíveis para expulsar a UNITA da vila. Foi nessas circunstâncias que conseguiu expulsá-los, mas eles se foram reorganizar e no contra-ataque, atingiram o comandante, cujo corpo não foi nem tomado pelo inimigo, nem sepultado pela população".
Phande conclui que após a morte de Kandimba (1993), a Unita ocupou a vila por muitos anos. OPs órgãos da administração do município estavam na Gabela e a tropa no território da Kibala era dirigida pelo comandante Cara Podre que veio a falecer em consequência de um ataque à sua comitiva, junto ao Rio Nyha (Nhia). "Não foi atingido por uma bala. Ele jogou-se no rio e o cadáver foi encontrado, dias depois sem vida".

=Glossário=
1-Kandimba venha porque cresce capim na cidade. Por outras palavras: vem escorraçar a Unita da sede municipal.
2- CPPA: Corpo de Polícia Popular de Angola.

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